segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

RECRIMINANDO RECLAMAÇÕES

Entre os efeitos da ELA, percebi que se acentuou minha repulsa por pessoas que só sabem recriminar, criticar e reclamar. Mais do que repulsa, sinto pena dessas pessoas, imaginando o quanto isso deve amargar a vida. Eu já perdi um tanto de movimentos, voz e autonomia, mas ao invés de reclamar disso, valorizo o que ainda me resta e posso garantir que me sinto muito bem. Quem sentir falta de ter pena de alguém, que tenha desses pessimistas de plantão pois eles são os grandes merecedores dela.

Não dá pra não reclamar, não recriminar, nem criticar; principalmente dos que fazem isso o tempo todo. O que não dá pra agüentar são os que fazem SÓ isso.
A crítica é fundamental para mudanças, adaptações e, até mesmo, compreensão e aceitação. Nesse caso, ela é causa e efeito de análise, reflexão e conclusão.
No começo, é um sentimento que causa revolta, que provoca reclamação, que gera recriminação. Se a razão não intervir, a causa ganha status de verdade, realimenta o processo, aumentando a reclamação e a recriminação, incrementando a raiva, podendo levar o processo a perdurar por longo tempo. A intervenção da racionalidade poderá mostrar que a causa não é real ou que não é suficiente para gerar reclamação ou, caso mereça ser acusada, parar por aí.
A análise racional, verificando a validade da causa, procurará uma solução, evitando que a revolta, reclamação e recriminação se tornem repetitivas e inchem.
Os “reclamadores” de plantão, dispensam a racionalidade e se entregam à emoção e à vontade, buscando aliviar o que sentem, através da agressão. Quer dizer: gastam todo o tempo reclamando, recriminando, agredindo, buscando vingança e, nenhum, ajudando a resolver os problemas. São sofredores causando sofrimento.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

ADVERTÊNCIA

Ah meu amigo!
É tão fácil dar conselhos e criar frases impressionantes; o difícil é aplicá-las.
Somos influenciados por emoções e vontades, por outro lado, temos a razão que nos permite analisar dados, refletir e concluir.
Deixar-se levar pela emoção e vontade, é tão fácil quanto trágico.
Agir, seguindo rigidamente a lógica, pode evitar sofrimento e prejuízos; no entanto, impede o desfrute de muitos prazeres e conseqüente felicidade.
Preconceitos, tabus e dogmas, ainda que possam ajudar a controlar, um pouco, alguns ignorantes; dificultam a felicidade e alavancam o sofrimento.
O ideal seria descartar preconceitos, tabus e dogmas; analisar as emoções e vontades através da razão; escolher as benéficas e descartar as prejudiciais; aproveitando ao máximo a felicidade possível.
O problema é que emoção e vontade pretendem satisfação a qualquer custo, empenhando-se em impedir o uso da razão e, quando não conseguem, fazem tudo pra que as recomendações dela sejam rejeitadas. O pior é que a força dos que pretendem satisfação, costuma ser maior que a disponível para a rejeição.
Por outro lado, são inúmeros os exemplos de resultados excelentes, causados pela satisfação de emoções e vontades, quando a razão foi totalmente desprezada.
Portanto, está claro que não existem receitas que garantam resultados bons. A vida exige decisões a cada situação e, por melhores que sejam os conselhos, a escolha será só sua. E... não terá como se safar dos resultados.

Isto é uma advertência como as que aparecem em propaganda de cigarros, remédios e bebidas. O que eu digo, nada mais é que o resultado de experiências vividas ou presenciadas, reflexões e conclusões. Os efeitos colaterais, disso, podem ser muito prejudiciais, e as contra-indicações ocorrem na maioria dos casos.
Portanto, cuidado com o que digo ou escrevo.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

CONHECE O AMOR?

O amor... Ah o amor! Quem o conhece razoavelmente?
Ele é causador dos maiores prazeres sentimentais e dos mais terríveis sofrimentos. Onde ele existir não haverá apatia, ausência de sentimentos, nem inércia.
Ele provoca sonhos e as mais desvairadas ilusões. Faz lindo o feio; bom, o mau; aceita, de bom grado, o que já repudiou com veemência. Da mesma maneira, provoca pesadelos; apaga brilhos; ressalta o ruim; dificultando enxergar e sentir o bom e o bonito.
Não há nada mais raro que um amor isento de ciúme, ansiedade e possessividade. Não raro, esses componentes dificultam e, até impedem, a continuidade do desfrute desse amor. São como tempero que, em doses adequadas, realça o sabor, mas em doses maiores, torna impossível o consumo.
O amor possibilita construções maravilhosas, da mesma maneira que pode causar destruições catastróficas..
Não há como criar ou eliminar o amor. A única possibilidade é interferir nele, acentuando o bom e opondo-se ao ruim. Embora isso seja tão fácil de dizer, é enormemente difícil de realizar.
Quando a opção está entre ser feliz ou sofrer, vale a pena enfrentar as dificuldades, lutando contra o ruim, possibilitando o aproveitamento do bom.
Quem for dependente de drogas ou jogo, por exemplo, e estiver apaixonado por alguém; poderá verificar, em si, a similaridade dos efeitos sofridos. O amor gera uma dependência similar à causada pelas drogas, jogo ou qualquer outro motivo. Enquanto puder desfrutar, o indivíduo se sentirá no céu, mas, se for privado, enfrentará o inferno mais tenebroso.

sábado, 8 de novembro de 2008

SEM PRUMO NEM NÍVEL

SEM PRUMO NEM NÍVEL
Velho, doente, esclerosado e inútil. Isso, numa pessoa normal, já é bastante ruim, imagine num idiota como eu!
Aprendi, há muito tempo, que o importante pra nós é o que sentimos, independente da racionalidade ou lógica. Também, aprendi que nosso direito termina onde começa o do outro, percebendo que, muitas vezes, não há como evitar prejuízos e sofrimento nesse confronto de direitos. Na falta de outros parâmetros, sempre procurei usar a relação custo/benefício, de todos os envolvidos, pra decidir o que fazer. Umas vezes abri mão do meu direito, outras, lutei pra que prevalecesse.
Sempre procurei cumprir com minhas obrigações, esforçando-me pra executar, o mais rápido possível, o que me era mais sacrificante, objetivando livrar-me logo do incômodo e dispor de condições pra desfrutar o que me agradava. Sempre procurei fazer os trabalhos mais chatos primeiro pra, depois, me dedicar aos agradáveis, curtindo-os.
Sempre fugi do consumismo, valorizando ao máximo minha capacidade de gastar, sempre considerando a relação custo/benefício. Na maioria das vezes, o dinheiro que ganhamos nos obriga a fazer coisas que não gostaríamos fazer, portanto, quanto mais dinheiro, mais contrariedade teremos que sofrer, por isso, sempre optei por limitar meus gastos, possibilitando-me evitar fazer mais coisas de que não gostava. Poderia ter ganho mais dinheiro, violentando-me mais, no entanto, preferi abrir mão de consumismo em troca de ter que fazer mais coisas que não queria fazer.
Quando vejo pessoas se sacrificando pra ganhar seu dinheiro e gastando-o facilmente em coisas idiotas, pra satisfazer vaidades, aparentar o que não são ou tentar aliviar a consciência; me sinto mal, muito mal, terrivelmente mal!
Quando vejo pessoas desperdiçando enorme quantidade de tempo na ociosidade, fugindo de cumprir deveres e fazer obrigações, escancarando um egoísmo desmesurado; me causa uma revolta terrível. Quando ouço essas mesmas pessoas reclamando da falta de tempo e super-valorizando o pouco que fazem, tenho vontade de sumir na estratosfera!
Quando um simples “acho”, injustificado e idiota, vale mais que toda minha reflexão, busca de dados, análises e conclusões justificadas; sinto a revolta me consumindo as entranhas. Ver a prepotência cagando na humildade, me causa um sofrimento inenarrável!
Mas, isso é coisa de velho, doente, esclerosado e inútil que, não tendo o que fazer, gasta o tempo observando o seu entorno e acusando, como barbaridades. coisas normais em gente comum.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

VOLTANDO PRO COMEÇO

VOLTANDO PRO COMEÇO!
Penso que comecei esse caminho de volta aos quarenta e nove anos. O desfrute de um grande amor me tornou jovem. A perda dele me jogou na adolescência e me deixou perdido, procurando um rumo. Continuei retrocedendo com a diminuição das oportunidades de trabalho, que acabou me trazendo de volta à infância. A força foi diminuindo progressivamente, os movimentos se tornando difíceis e perdendo o controle. A fala vai se tornando fraca e menos inteligível. Já não consigo tomar banho e me vestir sozinho. Já tenho dificuldade pra manusear coisas simples como um barbeador, escova de dentes, copos e coisas assim. Chegará o momento em que não conseguirei mais andar, me alimentar sozinho, me virar na cama... até que não consiga mais respirar. Pra completar o processo, ao invés de túmulo ou crematório, duas pernas deveriam se abrir, uma vagina dilatada me sugaria para dentro de um útero, onde eu iria diminuindo de tamanho até me transformar num óvulo, que acabaria sendo expelido por um fluxo menstrual.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ajude-se

“Nenhum problema é maior que o meu. Nenhuma dor é maior que a minha. Ninguém tem mais razão que eu.”
Que importa que a Terra seja um pontinho azul, insignificante, quando comparada ao tamanho de outros planetas?
Que importa que tanta gente passe fome, que muitos sejam mutilados ou mortos por guerras, revoluções e atentados?
Que importa que tantas pessoas sofram de doenças graves, sejam vitimadas por vulcões, maremotos, terremotos, furacões, tsunames e outros fenômenos considerados naturais?
Que importa que tanta gente perca a pessoa amada, parentes queridos ou amigos inesquecíveis?
Por que eu deveria me importar com isso?
Quando sinto dores ou passo mal, enfrento filas, espero muito tempo até que alguém, normalmente de má vontade, se empenhe mais pra se livrar de mim do que pra resolver meu problema; mais preocupado com seu emprego do que com minha saúde.
Quando sinto fome, se não der um jeito de conseguir comida, ninguém se preocupará com o meu estômago, nem com a falta de nutrientes necessários à minha sobrevivência.
Se eu estiver no local de uma guerra, revolução ou atentado, alguém se preocupará em me tirar de lá ou evitar que elas aconteçam?
Alguém está preocupado em me livrar de furacões, terremotos ou qualquer outro agrado da natureza?
Quem se importa quando perco um amor, parentes ou amigos?
Esse papo de que precisamos usar a desgraça alheia pra nos conformarmos com a nossa é de uma estupidez maior que todas as desgraças juntas.
A humildade e a solidariedade não são tão importantes pra salvar o mundo, quanto são pra nossa felicidade ou, diminuição do sofrimento.
Não precisamos olhar pro infinito do universo, nem para as tragédias longínquas. Podemos fazer tanto pelos que estão a nossa volta e, principalmente, por nós mesmos, nos ocupando tanto, que não sobraria tempo pra mais nada.
A humildade nos permite perceber que não somos super, que somos falíveis, vulneráveis, mesmo que aproveitemos ao máximo a capacidade que o conhecimento pode nos disponibilizar.
A solidariedade nos propicia prazer e felicidade, portanto, o grande beneficiário não é o receptor e, sim, quem a pratica.
Não desfrutaremos toda a felicidade e prazer possível no amor, se não propiciarmos felicidade e prazer a quem amamos.
O sorriso que provocamos nos outros, pode nos propiciar mais felicidade que o nosso próprio.
Quem prefere ser ajudado, do que ajudar, desconhece a real felicidade.
Não temos como resolver os problemas da humanidade, mas podemos minimizar os nossos, conseguindo felicidade e prazer, proporcionais à solidariedade que praticarmos.
Portanto, agradeça a quem te propicie ser solidário e não negue a possibilidade de alguém ser feliz, sendo solidário com você.
Não sei quem disse isso, mas concordo totalmente: “Quem não vive pra servir, não serve pra viver”. O resto é resto!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Que sorte

QUE SORTE!
Que sorte teve Niemayer em conhecer Juscelino. Ele lhe propiciou projetar a Pampulha e depois Brasília e depois...Bom, depois Niemayer só não projetou o que não quis. Que sorte ele teve em receber tamanho talento! Que sorte o talento ter tido a oportunidade!
Que sorte teve Che Guevara em encontrar os cubanos no México, que lhe possibilitou participar da revolução cubana, contribuir fortemente para seu sucesso, tornar-se herói e transformar sua maluca obsessão numa bandeira contra o imperialismo e a exploração do homem pelo homem. Que sorte viver menos de quarenta anos na Terra e passar para a história como um mito, por sei lá até quando.
Terá sido um preço muito alto os sacrifícios e sofrimentos vividos por Van Gogh, Marx, Martin Luther King, Madre Tereza de Caucutá; entre outros, para passar à história e viver nela tanto tempo? De onde saíram as características pessoais que lhes possibilitaram ser o que foram? Quem, ou o que, possibilita a genialidade aos gênios? Talento, oportunidade e tempo é algo que o ser humano não tem capacidade de criar. Tudo o que ele pode fazer é aproveitá-los bem... Só isso.
Ainda que não exista nada depois da morte, vale a pena considerar que nossos feitos na vida podem entrar para a história. Como você gostaria que a história visse sua história? Pense nisso!
Pepe Granja.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

POBRE RIQUEZA

POBRE RIQUEZA
O cara reclamava da dificuldade pra se ganhar dinheiro e a facilidade com que, o conseguido, desaparecia.
Ele é da classe média, mora num apartamento bem montado e confortável, tem carro novo e não consta que não consiga pagar suas contas em dia.
Pensei na quantidade de vezes em que ouvi esse tipo de reclamação, feita pelos mais variados tipos de pessoas; desde muito pobres, até milionários.
Recordei o que venho constatando há anos: o problema não está na quantidade de dinheiro ganho e, sim, no desejo de consumir muito além do possível. Por mais dinheiro que a pessoa ganhe, será sempre insuficiente se a expectativa de consumo estiver além do possível.
Lembrei de um final de tarde de um sábado, quando dava carona a um amigo, cujo pai fora fazendeiro e fabricante de cordas de sisal na Paraíba. Ele me pediu pra passar em uma favela onde moravam conterrâneos seus, amigos de infância, cujas famílias sempre trabalharam para seu pai.
Esse pessoal ocupava uns cinco ou seis barracos na beira de um córrego e eram todos parentes. Todos trabalhavam na construção civil.
Parei o carro na entrada da viela que dava acesso aos barracos e, logo ao descer do carro, meu amigo foi avistado por um dos conhecidos, que parecia ter ganho o melhor presente do mundo, tal a alegria com que correu pra abraça-lo. Abraçava-o dando pulinhos, apertando-o, soltando e voltando a apertá-lo. Mais parecia uma criança que acabara de receber um presente muito sonhado e que não tinha mais esperança de ganhar.
O Paraíba afastou-o um pouco pra me apresentar e ele me cumprimentou, demonstrando que amigos de pessoa tão querida, mereciam toda consideração e deixou isso claro no aperto de mão e no balançar do braço.
Mandou um menino, que se aproximara, chamar alguém numa vendinha próxima. Gritou uns nomes na direção dos barracos, de onde começaram a sair pessoas que, como ele, corriam pra abraçar o Paraíba.
Fomos quase carregados pra um dos barracos onde mulheres e crianças nos cumprimentavam esbanjando respeito e carinho.
Alguém disse que era necessário comprar cervejas e uma mulher gritou que era preciso providenciar alguma coisa pra comer. Outra, sugeriu que lingüiça era mais fácil e rápido de preparar. Três homens logo saíram pra providenciar o que consideravam indispensável. Outro, chegou empunhando um litro de pinga, pedindo pra dona da casa providenciar copos, o que foi feito de imediato e, num instante, batíamos copos brindando aquele encontro.
Os três, que haviam saído pra providenciar a cerveja e a lingüiça, logo estavam de volta, acompanhados do homem que o primeiro mandara o menino chamar.
Enquanto a lingüiça fritava numa frigideira grande, a cerveja enchia uns copos, a pinga, outros, enquanto as pessoas iam se ajeitando em cadeiras, bancos, sentando no chão ou se encostando nas paredes. A alegria e as demonstrações de carinho não davam sinais de arrefecer.
Quando a agitação deu lugar à conversa, comecei a perceber o tipo de ligação que unia aquelas pessoas, gerando tamanha emoção.
Todos tinham nascido, vivido e trabalhado nas terras do pai do Paraíba, a quem consideravam poderoso e justo. Alguns deles tinham idades próximas a do Paraíba e tinham sido seus companheiros de brincadeiras de criança.
O pai do Paraíba tinha falido, vindo a morrer algum tempo depois, num acidente em que seu carro fora destroçado por um trem em uma passagem de nível. Havia a desconfiança de que fora suicídio. O fato é que a falência do velho provocara a demandada do pessoal que vivia nas suas terras e, boa parte deles, tinha vindo pra São Paulo e morava naquela favela.
Percebi que eles tratavam o Paraíba como se ele ainda fosse o herdeiro de um império, com verdadeiro carinho, mas com o respeito tradicional dos pobres pela oligarquia. Ainda o tratavam como o filho mais novo e mimado do patrão.
Notei que o Paraíba assumia seu papel naquela fantasia e se sentia o patrão poderoso que permite alguma intimidade a seus empregados. Era como uma festa em que os súditos se rejubilam em compartilhar da intimidade do rei. O Paraíba, que já era bastante grande, parecia ter dobrado de tamanho em meio àqueles adoradores, assumindo a grandeza de seu papel e gozando os prazeres de tanta dedicação.
Era estranho ver aquilo, sabendo que o Paraíba vivia numa merda de dar dó. Trabalhava como auxiliar em um escritório, onde mal ganhava pra sobreviver e só desfrutava de algum consumismo porque a namorada, que tinha um bom salário, lhe propiciava. Mesmo assim, ele teimava em fingir que ocupava o pedestal que há muito deixara de existir. Ali, naquele ambiente, ele podia dar vazão à sua fantasia, recebendo a devoção que acreditava merecer.
Poucas vezes, na vida, pude testemunhar tanta felicidade e alegria. Tudo acontecia entre goles de cerveja, talagadas de pinga e nacos de lingüiça frita apanhados com os dedos, que eram chupados pra tirar-lhes a gordura. O cenário era composto por telhado de telhas de cimento amianto, paredes de tijolo, caiadas, sem revestimento, e piso cimentado. Os trajes eram: bermudas, calções, chinelos e camisetas. Tudo isso tinha muito pouca importância quando comparado com a felicidade que dominava o ambiente.
Isso aconteceu há uns vinte anos e nunca mais vi aquelas pessoas. Algum tempo depois, o Paraíba também sumiu e não tive mais notícias dele; no entanto, aquele episódio continua fresco em minha memória, como uma das coisas mais importantes de que participei.
Lembro que, quando a cerveja e a lingüiça chegavam ao fim, eles decidiram ir buscar mais. Fizeram uma vaquinha entre eles, pra pagar o que já havíamos consumido e o que iriam buscar, e recusaram veementemente que o Paraíba e eu contribuíssemos. Lembro que, pelo rateio, o valor correspondente a cada um era menor do que o preço de um almoço comercial. Se o valor não era tão insignificante pra eles, era infinitamente barato quando comparado à felicidade propiciada.
Olhei pro passado em busca de coisas caras que tivessem me proporcionado felicidade. Encontrei o momento em que terminei de pagar a casa que comprara, quando da compra dos carros que adquiri; de quando comprei uma filmadora... é, essas coisas me custaram um bom dinheiro, em relação ao que ganhava.
Se não encontrei muitas coisas que me custaram bastante dinheiro, sobraram lembranças de momentos felizes que, ou custaram muito pouco, ou dinheiro nenhum. Churrascos em casa, na de amigos, sítios e chácaras; bate papos em balcões ou mesas de bar, com amigos; salgadinhos velhos, frios e ressecados, depois de longo período sem nada pra comer.
Nenhum peixe que eu tenha comido em restaurantes de luxo foi tão saboroso quanto as postas fritas em uma frigideira encardida, sobre fogo de lenha, na barranca do rio Grande, onde o peixe acabara de ser pescado e onde eu esperava a balsa pra atravessá-lo. Aquele peixe cortado a facão, lavado nas águas do rio e frito sem a menor preocupação com higiene, foi mais saboroso que o manjar dos deuses. Quando a balsa chegou, o ribeirinho que preparara o peixe, colocou o resto em uma travessa velha, embarcou na balsa e fomos comendo até o outro lado do rio, bebericando pinga em uma caneca feita de uma lata de óleo.
De outra feita, viajando pelo pantanal, por uma estrada de terra, sob um sol escaldante, depois de muitas horas, cheguei ao rio Paraguai, onde precisaria esperar a balsa. Numa barraca à margem da estrada, na beira do rio; postas fritas de pacu, com a carne dourada coberta pela pele pururucada, enchiam a boca de água. Não bastasse aquela visão maravilhosa, o barraqueiro anunciou que tinha cerveja bem gelada, graças a um gerador que permitia o funcionamento de um freezer. Lavar a boca e a garganta com aquela cerveja gelada e degustar aquele peixe fresco, recém saído da frigideira, foi um prazer indescritível.
O prazer de ser solidário, de desfrutar o carinho dos amigos, de lutar por ideais; dispensam pagamento em dinheiro e propiciam muita felicidade. E o amor? Ser amado pela pessoa amada e desfrutar esse amor é impagável!
Alegar que o dinheiro é um mal, que só causa problemas e gera infelicidade é uma burrice imensa. Ele, simplesmente, não passa de um meio para recebermos o que nos é devido e pagarmos o que adquirimos, desvinculando uma coisa da outra. O problema está em considerá-lo capaz de comprar tudo, principalmente, felicidade.
O problema não é o dinheiro e, sim, o consumismo. Este, não só é incapaz de propiciar felicidade, como a dificulta e, até, impede. Aparentar riqueza atrai ladrões e seqüestradores, que causam medo, que impede a liberdade de ir e vir. O dinheiro nos faz desconfiar que o carinho recebido se deva a ele e não a nós. Além disso, o medo ocupa nossa mente, roubando lugar às emoções agradáveis.
O consumismo leva a equipar a casa para propiciar segurança, conforto e, até, luxo. O medo de sair, associado ao conforto caseiro, levam as pessoas a trocar a emoção propiciada pela convivência, pela emoção virtual, eletrônica, contentando-se com imagens e sons, desprezando o calor do contato humano.
A limusine para na frente da igreja tradicional, decorada com sofisticação exclusiva, onde o noivo, suando impaciente, sofre com o pensamento de que algum problema possa impedir a noiva de chegar.
A noiva, que passou horas sendo maquiada, penteada e vestida, teme não estar tão bonita quanto gostaria, que seu visual possa receber críticas ao invés de elogios, que alguma coisa possa sair errada, em fim, são tantas preocupações, que a emoção de estar realizando o sonho de se unir ao homem amado, de concretizar a fantasia de uma cerimônia memorável, fica muito aquém da possível e, não raro, desaparece.
A marcha para o altar é tensa, a incerteza sobre o tamanho e velocidade dos passos, se o buquê deve ficar mais pra esquerda, direita, pra baixo ou pra cima. Não consegue ver os olhares de admiração porque procura expressões de crítica.
Na festa é difícil encontrar sinceridade nos cumprimentos de pessoas preocupadas em não cometer gafes. Os trajes dificultam a liberdade de movimentos, o barulho dificulta conversas e a maioria sai de lá sentindo alívio.
A única coisa indiscutivelmente grandiosa naquela cerimônia foi o preço. Igreja, decoração, músicos, limusine, roupas, salão, bufet, cabeleireiro, maquiador, etc. O custo daquela cerimônia seria suficiente pra pagar muitos meses, talvez anos, de despesas do casal.
Num outro casamento, realizado na igreja do bairro, pouca gente prestou atenção no vestido da noiva, na maquiagem ou no penteado. O que saltou aos olhos de todos, foi o brilho no seu olhar, a emoção que transbordava de todo seu ser, o olhar carinhoso que dirigia aos presentes agradecendo sua presença para testemunhar a realização do maior sonho de sua vida. A emoção do noivo ao recebê-la no pé do altar e, a dos dois, durante a cerimônia que oficializava o maior desejo de suas vidas, provocou os cumprimentos mais efusivos, os mais sinceros desejos de que aquela felicidade se prolongasse por toda a vida, extrapolando as palavras, expressos por lágrimas, beijos calorosos e abraços apertados.
A festa, no salão comunitário do bairro, testemunhou a alegria e felicidade propiciadas pela emoção, dispensando luxos e confortos que, na maioria das vezes, só servem para delapidar-lhe o valor.
Churrasquinho de carne, lingüiça e asinhas de frango, arroz, farofa, salada, maionese com batatas, ovos e legumes cozidos; tudo isso regado a cerveja e refrigerantes. Dança ao som de música que não impedia as conversas e, principalmente, a emoção propiciada pela felicidade dos noivos, pela troca de carinho entre amigos e pelo desejo despertado nos namorados de se tornarem protagonistas de uma cerimônia como aquela.
O muito dinheiro gasto na primeira cerimônia, não garantiu a felicidade, assim como, o pouco gasto na segunda, não a impediu.
Felicidade é alegria, resultante de satisfação de desejos. O dinheiro pode facilitá-la, no entanto, nunca poderá ser fonte geradora e, sua falta, não conseguirá impedi-la de acontecer.
A tentativa de conseguir riqueza não deve impedir o desfrute da felicidade possível, que exige pouco, ou nenhum dinheiro.

terça-feira, 29 de julho de 2008

ME ACORDA!

ME ACORDA!
Cara! Há muito não tinha um pesadelo tão horrível e assustador.
Fui me encontrar com amigos que há muito não via e que resolveram promover uma reunião pra relembrar os bons tempos, no sítio de um deles.
Ao chegar, fui cumprimentar os que já haviam chegado, extravasando a saudade há muito reprimida. Era uma felicidade muito grande abraçar e beijar amigos que não via há muito tempo.
Logo estranhei o fato de ninguém, ainda, ter me oferecido um copo com caipirinha ou uma latinha de cerveja. Notei que ninguém estava bebendo.
Gritei que estava com sede e, de imediato, uma das amigas se apressou a me trazer um copo cheio.
Chá! Chááááááááááááá! Era chá!
O que tinha acontecido com aquele povo?
Costumávamos nos reunir algumas vezes por ano, começando no final do dia da sexta-feira, pra só ir embora no final do domingo. Pinga, caipirinha, batidas, wisk, conhaque e muita cerveja. Churrasco com muita gordura, torresmo, patês e muito cigarro. Conversa fiada, gozações, cantoria, dança, bebedeira e ressaca curada com mais bebida. Duas ou três horas de sono entre um dia e outro, eram mais que suficientes pra recomeçar.
Agora, estavam tomando chá!
“É claro! Como sou burro!” Os safados tinham me aprontado aquela. EraM suficientemente safados pra isso. Tinham armado aquele circo pra me fazer de besta. Tinham escondido as bebidas e comidas, só pra tirar um sarro com minha cara.
Ao invés de reclamar, fiz de conta que estava tudo bem. Saí andando naturalmente e fui até a casa, onde as coisas estariam escondidas. Bestas eram eles, imaginando que me fariam de idiota, pra me gozar até o fim da festa.
Cheguei ao galpão, ao lado da piscina, onde a churrasqueira estava apagada. Sobre a grande mesa de madeira, pratos e travessas cheias de saladas, legumes, frutas, jarras com sucos e chás gelados.
Abri a geladeira que estava cheia de frutas, sucos e mais jarras de chás.
Eles eram suficientemente filhos da puta pra armar aquele circo todo. Ter se dado a todo aquele trabalho só pra tirar sarro dos que chegassem depois. Já tínhamos feito encenações bem mais trabalhosas, só pra gozar com a cara de alguém, o que motivava muitas gozações durante todo o fim de semana.
Examinei os banheiros do galpão e, nada. Fui até a casa, examinei a cozinha, onde a mulher do caseiro, que cozinhava legumes, me ofereceu suco ou chá, além de milho cozido. Agradeci e dispensei, indo até a sala, onde não encontrei nenhum isopor onde pudessem ter escondido as cervejas. O freezer na dispensa estava cheio de polpa de frutas.
Desde que recebera o convite, passara os dias imaginando minha chegada ali, o pessoal correndo pra me abraçar, gritando abobrinhas, me passando a mão na bunda, me oferecendo um copo com caipirinha, uma latinha de cerveja e um pedaço de carne gorda. Aquela confusão de vozes querendo saber das novidades e contando o que tinha acontecido. Em fim, a zueira de costume.
Chá, sucos, verduras, legumes; que porra era aquela? Cadê a bebida, o churrasco, a porra-louquice, a descontração?
Voltei pra junto do pessoal, que conversava educadamente, sem levantar a voz, sem falar palavrões, com as roupas alinhadas e combinando, com os cabelos penteados, sem cheiro de suor ou chulé.
Um deles, o mais gozador da turma, se aproximou de mim e disse:
- Por que você não larga essa porcaria?
- A tua mulher? Não largo de jeito nenhum!
Ele deu um sorrizinho, me acariciou um braço e disse delicadamente: -Estou falando do cigarro. Essa porcaria vai acabar te matando.
Mandei ele ir tomar no cu, dei-lhe um tapa na nuca e fui me juntar aos outros.
Aquilo mais parecia uma reunião de executivos de uma multi-nacional. Defendiam a lei seca, condenando com veemência o que cansamos de fazer durante anos: dirigir depois de beber. Éramos muitos e, nenhum, nunca se envolveu em qualquer acidente por causa de bebida.
Na conversa sobravam críticas à gordura, carne vermelha, pimenta, condimentos e outras gostosuras. Eram causa de colesterol, doenças cardíacas, câncer, entre um monte de outras doenças que descreviam com detalhes. No entanto, o maior vilão era o cigarro, que condenavam com veemência. Só faltaram acusarem-no de causador de terremotos, maremotos e outros acidentes naturais.
Eu sentia um desassossego enorme olhando praquele monte de velhos amigos, totalmente desconhecidos. Pra onde foram os primeiros? De onde vieram os outros?
Senti a cabeça confusa, girando e virando cambalhotas. Me afastei pra fumar um cigarro e tentar entender o que estava acontecendo.
Estava a beira do lago, junto a uma moita de bambus, fumando, quando senti que alguém se aproximava. Era uma mulher muito bonita, que eu não conhecia.
Não sei como, mas o fato é que nos abraçávamos, beijávamos e as mãos percorriam nossos corpos, apalpando cada poro, sentindo cada umidade, gerando enorme calor. Quando eu sentia a firmeza e abundância de sua bunda em minhas mãos, ela afastou sua boca da minha e me pediu pra por a camisinha.
Larguei sua bunda, guardei o pinto, que acabara de amolecer, e saí andando. Ela gritava que só estava querendo nos proteger, mas eu continuei andando, na certeza que ela tinha acabado de assassinar o tesão.
Um macaco gritava, pendurado em uma árvore: “Esses porras deixaram de viver pra proteger a vida.”
Acordei assustado e quase caindo da cama. Parecia que tinha acabado de sair do holocausto.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

DESCONJUNTADO

Numa noite enluarada
A lua não tava lá
O céu estava estrelado
Sem estrelas a brilhar
A dor doía sem dor
O caminhar não andava
O galo cantou silêncio
O barulho emudeceu
Só o silêncio gritava
Pros ouvidos não ouvir
Água parou na cascata
Teimando em não cair
Eu também lá não estava
Embora estivesse ali.

terça-feira, 8 de julho de 2008

SABENDO NÃO SABER

SABENDO NÃO SABER
Cada vez mais, me sinto um ator interpretando e dirigindo um personagem que me impingiram, que não pude escolher, nem ao menos estabelecer o roteiro.
Sempre fui um inconformado, questionando, refletindo e agindo na tentativa de mudar coisas e gente. Os fracassos e frustrações não me desanimavam e continuava dando murros em ponta de faca, mudando de estratégia, insistindo, inconformado.
Acreditava que a ignorância era a grande culpada pelas incoerências e desatinos dos indivíduos. Acusava os exploradores como grandes sonegadores de educação e informação, o que lhes facilitava submeter os ignorantes, facilitando sua exploração.
Considerava que as pessoas eram vítimas de um sistema e que, se tivessem uma oportunidade de acessar conhecimento, poderiam mudar e, ao invés de causar tantos problemas, ajudar a soluciona-los.
Embora os considerasse vítimas, deplorava os vagabundos, alcoólatras, dependentes de drogas, marginais, mentirosos crônicos, fofoqueiros, relapsos, em fim, todos os que, ao invés de contribuir para a harmonia, provocavam problemas, visando benefícios pessoais sem se importar com os prejuízos causados.
Considerava e, isso, continuo considerando, que o egoísmo e a prepotência eram os grandes males da sociedade, verdadeiros cânceres. O egoísmo faz com que o indivíduo só se preocupe consigo mesmo, pretenda tudo pra si, sem a menor preocupação com os outros. Ele não dá a menor importância ao fato de que, um pequeno benefício seu, possa causar grande prejuízo a outros. Ele só se importa com seus benefícios, não dando a menor importância a direitos alheios ou a prejuízos que possa causar.
A prepotência impede o indivíduo de reconhecer o que não sabe, acreditando saber o necessário. Acreditando saber, não considera necessário aprender, o que o condena à ignorância. Acreditando saber o que não sabe, julga por parâmetros errados ou distorcidos, gerando prejuízos e sofrimento, acreditando estar fazendo o melhor. A prepotência provoca que, alguém bem intencionado, cometa verdadeiros absurdos por pura ignorância; acreditando estar fazendo o bem quando está causando terríveis males.
Gastei quase meio século captando dados, analisando, refletindo, criticando, discutindo, mudando, concluindo, reconsiderando conclusões. Foram tantas experiências, observações e reflexões; tantas constatações de falsidade; de erros considerados, por muito tempo, como acertos; de verdades mentirosas; que perdi a segurança pra julgar. Para julgar, é necessário ter parâmetros e os meus se embaralharam, contradizendo-se. Em fim, o certo poderia estar errado; o errado, estar certo; dependendo do enfoque, dos parâmetros usados, Como julgar se algo, tanto poderia estar certo como errado?
Considerando o preceito jurídico em que a dúvida deve favorecer o réu; não posso mais condenar ninguém, nem nada!
Veja-se o caso da doença que me acometeu. Eu não a pedi, nem a escolhi. Devo condenar, maldizer, o que ou quem a provocou? Se não sei o que ou quem a causou, menos ainda sei sobre seus motivos. Sem conhecer o culpado, nem os motivos; que julgamento posso fazer?
Pelos meus parâmetros, acho injusto o ter sido desativado, inutilizado, mesmo antes da doença. Considero que tinha muito para oferecer, capacidade pra fazer várias coisas; no entanto, não faço a menor idéia sobre os porquês de me terem desativado. Os motivos pra isso podem ser muito mais significativos do que o que eu poderia realizar. Como julgar conhecendo só um lado da história?
A lógica me revela que, se a intenção fosse só me desativar, bastaria me matar. Me desativar primeiro, provocar a doença depois e me fazer passar pelo que ela provoca; deve ter algum motivo. O fato de não conhecê-lo não implica em que não exista.
“Bater com um mão e acariciar com a outra” é o que o responsável por isso, fez. Me desativou, provocou a doença degenerativa pra, só depois, permitir a morte. Por outro lado, me livrou de dores, que costumam acometer os pacientes de doenças fatais. Mais ainda, me livrou do inconformismo que sempre me acompanhou e me possibilitou serenidade e tranqüilidade, para aceitar o que tem me afetado. Chego a imaginar que essa serenidade aumente à medida que o fim vá se aproximando, que eu seja dominado por grande moleza e com muito sono, até que não desperte mais.
É pedir demais? Talvez. Mas essa mão que acaricia bem pode propiciar isso.
Que motivos estariam por trás desse processo?
É possível especular inúmeras possibilidades, no entanto, parece impossível ter alguma segurança pra identificar a real.
Nós só conhecemos a parte sensível e racional da vida e, não conseguindo admitir que possamos ser influenciados por algo sobre o que não temos a menor idéia; nos leva a considerar que tudo depende do que conhecemos e nos esforçamos para justificar tudo só com essa parte conhecida, desconsiderando o mistério. Desde o mais ignorante, até o acadêmico mais ilustrado, conhecem evidências do desconhecido. É bastante popular o conhecimento de que a união de um óvulo com um espermatozóide produzem um ser vivo. No entanto, conhecer o que determinou que isso fosse assim, não há cientista que possa explicar.
Portanto, é irracional imaginarmos que sabemos tudo, mesmo reunindo todo o conhecimento humano. Acreditar nisso é confessar demência, no mais alto grau possível.
A experiência me fez compreender que é preciso aprender muito para compreender que não sabemos. Por mais que nos custe, é possível quantificar o que sabemos. Alguém se atreve a quantificar o que não sabemos?
Se desconhecemos tanto, o que nos credencia a julgar com segurança, considerando que, dados importantes, podem estar escondidos?
A vida nos obriga a julgar, constantemente, e não é razoável eximirmo-nos disso. Mas, daí, a acreditar-se o dono da verdade, infalível; é exagerar pra lá da conta!
O julgamento humano é sempre temporal e temporário, sem verdades absolutas. Muito do que foi verdade ontem, é falso hoje; portanto, a probabilidade do que é certo hoje, ser errado amanhã, é enorme.
Essa consciência não deve nos impedir de julgar, mas considerar que o julgamento não é absoluto, muito menos, definitivo.
É.... É preciso aprender muito pra descobrir quão pouco sabemos!

segunda-feira, 30 de junho de 2008

ADMIRAVELMENTE ESPETACULAR!

Cara! Você já prestou atenção no que a medicina tem feito?
Vacinas contra vírus de várias doenças, protegendo pessoas, evitando sofrimento e morte.
Re-implante de membros ou parte deles, afetados por esmagamentos, cortes ou outros traumas.
Muitos tipos de câncer já são mais causa de susto do que de morte e são curados com relativa facilidade.
A poliomielite, que vitimou tantas crianças, gerando deformidades que acompanharam adultos por toda a vida; já faz parte da história e está sob controle.
Tuberculose e gripes já não são grandes encaminhadoras de clientes para os cemitérios.
E os transplantes, então! Trocam-se órgãos de um indivíduo pra outro como já se trocavam partes de um carro pra outro. Trocam corações como se fossem motores; rins como se fossem câmbios, córneas como se trocavam as lentes de um farol quebrado. Quem poderia acreditar em um desmanche de defuntos pra recuperar indivíduos doentes?
A engenharia se associou à medicina e uma porção de tipos de próteses propiciam que indivíduos nem se lembrem direito de que usam partes artificiais do corpo. São peças que desobstruem artérias e as mantém abertas, marca-passos para o coração, junções metálicas para ossos, membros artificiais que chegam a funcionar melhor que os originais. A artificialidade não se limitou às necessidades vitais ou de movimento; chegou à estética, aumentando bundas e peitos com silicone; diminuindo barrigas, bundas, peitos e excessos de outras regiões com lipo-aspirações e outros artifícios. Peles esticadas, cabelos implantados, desenhos mudados; em fim, parece não haver limite para as possibilidades.
Eles não se limitaram a trabalhar com indivíduos vivos ou mortos; passaram a interferir na própria criação da vida; fazendo fertilização in-vitro, desenvolvimento de fetos em úteros emprestados, curando impotência, frigidez e infertilidade.
Chegou a hora de manipular células capazes de assumir características de outras, doentes, substituindo-as e corrigindo os problemas que aquelas criavam.
Tudo indicava que o homem estava superando seu próprio criador,
O progresso era tão espetacular que camuflou uma evidência fundamental: o corpo humano é só uma parte do indivíduo e, para que ele funcione, é necessário algo invisível até aos equipamentos mais sofisticados e imcompreensível até às mentes mais privilegiadas. Se essa coisa não quiser, não há capacidade humana capaz de contradizê-la. Não há o que possa evitar a morte, por mais adiada que seja pela capacidade humana.
Enquanto a medicina realiza feitos extraordinários, espetaculares, até; não consegue controlar gripe, dengue, malária e outras doenças que, não sendo consideradas graves, costumam propiciar, a alguns indivíduos, livrar-se dos problemas terrenos antes do que esperavam.
Está claro que todo o conhecimento e tecnologia disponíveis são incapazes de controlar microscópicos seres, e interferir em sistemas que a ciência alega conhecer com detalhes.
É incrível a quantidade de teorias, detalhamento e minúcias de detalhes que elas apresentam a respeito do corpo humano, sistemas e órgãos. No entanto, doenças degenerativas como: Alzimer, esclerose múltipla e esclerose lateral amiotrófica; seguem acometendo indivíduos, a quem a ciência não tem como ajudar, assistindo seu definhamento sem poder interromper o processo fatal, nem os estragos que ele ocasiona.
Se considerarmos que a natureza foi criada milhões de anos antes do homem, sequer, pensar em ciência; é compreensível que ela saiba tão pouco, mesmo propiciando o espetáculo que encanta e nos faz acreditar que é extremamente poderosa.
Admiravelmente espetacular é a capacidade de quem, ou do que, criou a natureza que, de sobra, conseguiu encerrar em mistério as possibilidades dos seres humanos conhecê-la e interferir nela, além do que lhes é permitido.
Pois é cara! Ainda bem que o ser humano não tem capacidade pra submeter a natureza à sua vontade. Sem pensar no resto, já pensou se não morresse mais ninguém, continuasse nascendo gente e os problemas acabassem?
Que graça teria a vida?
Se tendo o ruim como referência as pessoas já não valorizam suficientemente o bom, imagine que valor este teria sem a existência daquele!

quarta-feira, 25 de junho de 2008

O MEDO DAS DOENÇAS MATA MAIS QUE ELAS

É muito grande o número de pessoas que deixam de viver por medo de morrer. A pesquisa científica tem grande responsabilidade sobre isso. Os profissionais de saúde costumam usar essas pesquisas pra aterrorizar seus pacientes, receitando restrições, abstinências e proibições; valorizando muito mais os riscos do que os prazeres que algo possa causar.
Desconhecendo as verdadeiras causas que provocam as doenças, os profissionais de saúde e os cientistas, acusam motivos que podem contribuir pra elas, mas que não são o principal. Fumo, álcool, drogas, gorduras, pimentas; por exemplo, tem sido bodes espiatórios de muitas doenças. Aponta-se os doentes que consumiam esses produtos como evidência dos males que causam. Não consideram os consumidores que, mesmo consumindo as mesmas coisas, não adoeceram. Nas estatísticas, o número dos atingidos é sempre muito menor que os não, mesmo assim, a minoria tem força muito maior que a maioria. Incrível! Não?
A humanidade, principalmente os cientistas, precisam compreender que o mistério é muito maior que o conhecimento.
Tenho a impressão de que quem conhece tudo, brinca de enganar o ser humano, permitindo-lhe descobrir algumas coisas, para entretê-lo, aliviando-lhe a curiosidade. No entanto, sonega o principal que, por algum motivo, não tem a intenção de revelar. Se ele pode criar tudo e quisesse que não houvesse mistério, teria equipado o homem com esse conhecimento. Se ele não quer revelar, terá o homem capacidade pra contrariá-lo e descobrir o que ele não quer revelar?

quarta-feira, 11 de junho de 2008

ELA: conhecimento X especulação

ELA: conhecimento X especulação?
Senhor Deus, desculpe estar incomodando novamente, mas aqui está difícil encontrar respostas, por isso me dirijo ao senhor.
Como o senhor não respondeu as outras cartas que lhe mandei, acho que não vai responder esta também. Não faz mal. Se é pra ser desconsiderado, ter as idéias desprezadas e ser considerado um pentelho que só enche o saco; é melhor que seja por alguém que tenha um conhecimento infinito e um poder inquestionável. Tô de saco cheio de ser desrespeitado por seres humanos que se consideram oniscientes e onipotentes, pretendendo superá-lo, saber mais e poder mais que o senhor.
Como o senhor sabe, estou com ELA (esclerose lateral amiotrófica). Falando nisso, o senhor gostou do nome que deram pra essa doença que o senhor criou? Pomposo né? Então, quando diagnosticaram que eu estava com ela, disseram o nome e me disseram que os neurônios iam morrendo, desativando os nervos que, conseqüentemente, deixavam de estimular os músculos, provocando a atrofia deles. Acreditei que eles conheciam intimamente a doença. Quando disseram que ela não tinha cura, nem mesmo possibilidade de ser detida; aceitei o veredicto como sendo resultado de conhecimento suficientemente questionado e comprovado.
Me submeteram a exames de sangue, tomografias, ressonâncias magnéticas, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia ocupacional, nutricionismo e eletroneurografias. Os resultados não apresentavam “defeitos”. A única indicação de que havia uma doença eram os sintomas: a fraqueza e a atrofia muscular.
Foi aí que percebi que a ELA é identificada pela falta de outros motivos que justifiquem a anomalia. Eles não conseguem detectá-la em exames, quer dizer: se não existem outras causas, então, é ELA.
Ora, algo que não pode ser identificado diretamente, não pode ser afirmado com segurança!
Ah Deus! Não sei por que o senhor me equipou com essa mania de questionar, impedindo-me de aceitar o que me informam, pura e simplesmente.
Olha a merda feita! Ao invés de aceitar a explicação dada pelos médicos e pelos sites especializados na internet, tive a atenção despertada pelo fato de que os movimentos eram comandados, que os músculos obedeciam à minha vontade, embora lhes faltasse energia pra realizar o trabalho pretendido. Por exemplo: se eu pretendia levantar um peso de vinte quilos, eles só conseguiam levantar dez, mas, os dez, eles levantavam sem maiores problemas. Então, não havia falta de comando! Pelo menos os nervos encarregados dos comandos estavam funcionando. Portanto, esses nervos estavam ativos e não poderiam ser acusados pela atrofia dos músculos que comandavam.
O que era evidente, era a falta de energia pra realizar o trabalho. Bom, se não eram os nervos motores a causa da atrofia, o que poderia ser?
Pensei que, como todo o organismo, os músculos se servem dos nutrientes retirados dos alimentos, que chegam até eles pela corrente sangüínea. Até aí tudo bem, pois aprendi isso em biologia. O que não me lembro de ter aprendido é como o músculo transforma o nutriente em energia.
O senhor não poderia ter criado um sistema mais simples, que a gente pudesse entender com mais facilidade?
Bom, aí me lembrei que muita gente faz musculação em academias pra ficar musculoso, isto é, aumentar a massa muscular. Portanto, o aumento dessa massa depende de exercícios, isto é, trabalho muscular. Lembrei, também, que quando a gente quebra um braço e ele é engessado, a imobilização causa atrofia dos músculos, quer dizer, diminuição do tamanho, perda de massa. Portanto, a massa muscular depende de nutrientes e de trabalho. Como a energia tem uma relação com a massa muscular, a diminuição desta ocasiona a diminuição daquela.
Tá vendo? Olha o tamanho da complicação!
E o pior, é que isso é o que a gente percebe, no entanto, como é que esse negócio funciona? Como é que o músculo absorve nutrientes, aumenta a massa muscular, gera energia e realiza trabalho?
Quando questionei alguns médicos, mostrando que os comandos nervosos estavam funcionando e, portanto, não poderiam ser a causa da atrofia; eles alegaram que, além do comando, os nervos se distribuem pelo músculo, em grande número de terminais nervosos que o estimulam.
Como eu não tivesse ficado satisfeito com a explicação, fui procurar na internet mais informação e encontrei a seguinte: Cada músculo possui o seu nervo motor, o qual divide-se em várias fibras para poder controlar todas as células do músculo, através da placa motora.
Bom, se é o nervo motor que se divide em várias fibras para controlar as células do músculo e, se o nervo motor continua ativo, o problema deveria se localizar na ramificação e não na origem do nervo. Pra que o problema estivesse na origem, os terminais que controlam as células não poderiam ser ramificações do nervo motor e, sim, vindos diretamente do cérebro ou da medula.
Sabe, Deus, o problema é que os que dizem ter o conhecimento, não conseguem explicá-lo. Não sei se é por má vontade ou por incapacidade, ou, por incapacidade minha de entender. Só sei que, até agora, não consegui explicação razoável que me permitisse compreender o processo de energização do músculo.
No mesmo site em que encontrei a explicação acima a respeito da divisão do nervo motor, encontrei a explicação abaixo que se refere à produção da energia pelo músculo.
Como as outras células, as fibras musculares produzem energia por meio de reações de combustão. Devido a intensa atividade para proporcionar movimento e calor ao corpo, as fibras musculares necessitam de grande quantidade de energia (creatina fosfato, carboidratos, gorduras e proteínas).
Achei interessante a informação, nesse mesmo site, a respeito do ácido lático: Em um dos processos do metabolismo energético o organismo produz uma substância denominada ácido lático. Dentro das fibras musculares, o ácido lático impede a renovação da energia necessária para a contração do músculo.
Ora, se o ácido lático pode impedir a renovação da energia, por que ele não poderia ser o responsável pela atrofia?
Tá vendo o que o senhor fez? Me equipou com essa mania de questionar e veja no que deu! Tô questionando um monte de cientistas e profissionais da saúde que tem estudado a ELA por mais de cento e quarenta anos. E agora, como é que eu fico? Eles não conseguem me explicar e eu não me conformo em pensar que eles podem saber e eu não consiga compreender. E ai?
Por mais que me pareça absurdo, não consigo deixar de pensar que, esse pessoal todo, não sabe o que alega saber. É absurdo? Pode ser, mas não consigo deixar de pensar nisso. Será que eles não querem, não podem ou não conseguem explicar?
Tá vendo, Deus, o que o senhor aprontou? Se tivesse feito as coisas mais simples, o processo seria mais fácil de ser entendido e eu não precisaria estar, aqui, duvidando do conhecimento alegado por tão honoráveis pessoas.
Pensei em pedir ao senhor que me proporcionasse o entendimento que procuro, no entanto, se não tem respondido nem as cartas que lhe tenho mandado, não posso acreditar que atenda esse pedido. Chego a achar graça das pessoas que acreditam que o senhor atenda os pedidos delas. Se nem cartas o senhor responde, porque não deve ter tempo pra isso, imagine se vai gastar tempo atendendo pedidos de milagres. Se tudo que acontece é resultado de sua vontade, não vai ser um pedido de um simples mortal que o fará mudar o que o senhor mesmo já havia determinado.
Deus, quer saber? Eu fico cada vez mais embasbacado tentando imaginar o tamanho da sua capacidade. Como é que o senhor conseguiu criar coisas tão complexas que, milhares de anos depois, com todo o conhecimento adquirido pelo ser humano, ele ainda continua ignorante diante de tanto que ainda é absoluto mistério?
Não sei se é maior a vontade de rir ou chorar ao verificar que religiosos, cientistas e, até, gente sem maior qualificação; alegue conhecer a natureza, como foi criada, quem a criou, o que pretendeu e como age. Gostaria de saber o porquê de o senhor tê-los feito assim.
Fico imaginando do porque o senhor ter me feito desse jeito: inconformado e questionador. Por que não me fez como a maioria?
Na situação em que me encontro, eu deveria agir como a maioria: buscando milagres, amaldiçoando a causa da doença, rezando pra merecer um lugar bom no além e coisas assim. No entanto, estou aqui, questionando teorias e paradigmas, tentando conhecer as causas de uma doença, sem a menor esperança de me livrar dela, por pura necessidade de compreender porquês, de espicaçar os prepotentes, de tentar demonstrar a importância da humildade e da solidariedade. O senhor poderia ter me livrado disso e livrado aos outros de terem que me agüentar.
Se tenho consciência do mistério que envolve a natureza e a vida, não deveria ter essa obsessão por compreender. Eu não consigo entender o porquê, mas me dobro ao seu poder e acredito que o senhor terá seus motivos pra que seja assim. Se tem que ser assim, que assim seja.
Encontrei, no site já citado, uma frase que, lida sem espírito crítico, dá a entender um grande conhecimento sobre o sistema muscular. No entanto, ela só descreve, por alto, que os músculos são responsáveis pelos movimentos do corpo e que são comandados pelo cérebro. O que acontece por trás dessa cortina já são outros quinhentos, pouco se conhece e muito se especula.
O sistema muscular é capaz de efetuar imensa variedade de movimento, sendo todas essas contrações musculares controladas e coordenadas pelo cérebro.
Como o senhor sabe, afinal, me fez assim; continuo insatisfeito com as explicações recebidas, e não vou desistir de tentar encontrar alguma razoável.
Que dados eu tenho até aqui?
- Evidências:
- Fraqueza muscular progressiva
- Enfraquecendo o músculo atingido
- Atingindo outros músculos com o passar do tempo
- Atuação do nervo motor, comandando movimentos.

- Suposições:
- Como são atingidos músculos em partes diferentes do corpo, parece que a causa seja algo comum a todos eles:]
- Sistema nervoso
- Sistema circulatório

- Dúvidas sobre as explicações recebidas:
- Os terminais nervosos espalhados pelo músculo são ramificações do nervo motor e comandados por ele; ou, independentes, e comandados por outro sistema (diretamente do cérebro)?
- Mesmo com melhora acentuada de quantidade e qualidade da alimentação, não se percebe alteração positiva na energia muscular.
- Como se processa a absorção de nutrientes pelo músculo, como eles são transformados em massa muscular e como é gerada a energia que possibilita a realização de trabalho?
- Existe a possibilidade de gerar massa muscular e conseqüente energia, artificialmente (química ou fisicamente)?
- A eletroneuragrafia consegue identificar com segurança as regiões onde os nervos estão ativos e onde não?

Deus, desculpe tê-lo incomodado mais uma vez, mas como é possível que o senhor mande em tudo, é provável que tenha me provocado a fazer isto. Se não foi o senhor que me provocou, perdão e compreenda minhas fraquezas.
Até breve, quando, talvez, eu tenha a possibilidade de conhecê-lo pessoalmente e possa compreender o que me foi negado por aqui.
Respeitosamente: pepe granja

Se alguém puder me oferecer informações que satisfaçam meu inconformismo, agradeço imensamente e, acredito, que muitos outros agradecerão, também, por se livrarem de meus questionamentos.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

A proposta

Rapaiz! A minha dívida deve ser gigantesca, a julgar pelo que estão me fazendo pagar.
Essa minha mania de ficar procurando analogias pra explicar as coisas, me fez procurar alguma que demonstrasse o que vem me acontecendo. Pensei naquele boneco de plástico, inflável, sem pernas, com a barriga chegando até o chão, aumentando de diâmetro desde a cintura. Na parte de baixo ele tinha um peso (acho que era um compartimento cheio de areia), que o mantinha de pé, impedindo-o de tombar. O que mais me lembro era do sorriso idiota, na cara redonda, gozando com a cara dos que lhe davam porradas, tentando derruba-lo, sem conseguir. O chamavam de joão bobo. Ele tomava uma porrada na orelha direita, tombava pro lado esquerdo e voltava pra vertical. Uma bifa na orelha esquerda o tombava pro lado direito e voltava a ficar em pé, quase imediatamente. Enfurecido, o agressor lhe enfiava uma porrada nas fuças, ele tombava pra trás e voltava a ficar em pé, mostrando aquele sorriso imbecil. Pois é, estou como esse boneco, tomando porradas, caindo e voltando a ficar de pé. A diferença é a falta de sorriso, em mim, embora não falte a imbecilidade.
Quando foi diagnosticado que eu estava com ELA (esclerose lateral amiotrófica), que causa degeneração progressiva dos músculos e é fatal; minha filha disse que, como as tentativas pra me derrubar não tinham tido êxito, o, ou quem, tentara me derrubar, decidira me contaminar com essa doença, que não oferece a menoras chance de cura e, de contrapeso, vai paralisando o indivíduo, até que ele só consiga mexer os olhos. Afinal, o joão bobo vai tombar e não se levantar mais.
Eu estava conformado, uma vez que não havia nada a fazer. Por outro lado, já fazia algum tempo que eu considerava que, já que não estava tendo chance de realizações prazerosas, que sobravam motivos pra sofrimento; o melhor seria morrer. O que me enchia o saco, era o preço que estavam cobrando pela minha morte: o definhamento prolongado, a paralisia progressiva, até atingir o objetivo. Achei que era um preço exorbitante, mas como não tinha a quem reclamar, nem como deixar de pagar; resolvi me conformar e não aumentar a apurrinhação com revolta e reclamações.
Motivos pra reclamar não me faltavam. O agressor, não se conformava em só me dar porradas; quando achava que eu poderia cair de vez, me animava com promessas de algo bom. Eram só promessas, pra me reanimar, pra que eu pudesse sentir a próxima porrada com toda a intensidade que ela pretendia impor.
Essa somatória de evidências me mostravam que a intenção era me cobrar algo que estava devendo, embora eu não fizesse a menor idéia do quê.
Eu estava conformado, sentindo a desativação progressiva dos músculos e, conseqüentemente, dos movimentos; quando, na sala de espera, aguardando ser chamado pra mais uma consulta médica; um cara me abordou dizendo que tinha uma proposta pra me fazer e que era do meu maior interesse. Nessa hora me chamaram pra consulta e o cara disse que me esperaria na saída.
Quando saí, o cara veio todo amistoso pro meu lado, me perguntou como havia sido a consulta, como eu estava me sentindo e sugeriu que fossemos até um lanchonete, ali próxima, pra conversarmos mais a vontade.
Como eu não tinha nada a perder e a curiosidade fosse grande, aceitei.
Bem que eu gostaria de comer um churrasco com vinagrete e tomar cerveja, mas como não tinha força pra mastigar e tinha que tomar líquidos em pequenos golinhos, pra que não fossem parar no pulmão; me contentei com uma empadinha de palmito e um cafezinho com leite.
Enquanto eu comia lentamente, o cara foi explicando o que pretendia. Disse que sabia sobre o que estava acontecendo comigo, do que eu teria que passar até o final e do quanto isso deveria ser desagradável. Que tinha informações de que eu preferiria morrer rápido, antes que a degeneração me transformasse num boneco inerte.
Disse que representava um homem muito rico e poderoso que, no entanto, sofria um dilema que o poder e o dinheiro não puderam evitar.
Pediu que eu compreendesse que o que ele pretendia me fazer, era uma proposta e que eu era soberano pra decidir, No entanto, pedia pra que eu analisasse a proposta com serenidade e racionalidade, pois, embora fugisse aos padrões convencionais e pudesse, até, causar repulsa à maioria das pessoas; era suficientemente razoável quando analisada sob a luz da lógica.
Minha ojeriza ao poder, principalmente o oriundo do dinheiro, se encrespou e o impulso de mandar enfiar no rabo qualquer proposta vinda dele, me chegou à ponta da língua. Acho que a tarefa de triturar a empadinha com as poucas forças de que dispunha, me impediu de reagir de imediato e me deu tempo pra decidir ouvir a proposta antes de envia-la para o buraco pretendido.
O cara disse que, considerando minha preferência por morrer antes que a degeneração aumentasse meu desconforto e, de preferência de maneira tranqüila, rápida e sem dor ou qualquer sofrimento; me oferecia essa possibilidade.
“Laranja madura, na beira da estrada, ta madura, Zé, ou tem marimbondo no pé”. O cara não parecia nem um pouco com um bom samaritano, ao contrário, parecia bem esperto e com intenção de conseguir alguma vantagem. Será que queria me vender uma morte confortável, cobrando uma boa grana por isso?
Ficamos um instante nos observando, ele tentando identificar qual seria minha reação e, eu, tentando adivinhar qual o interesse verdadeiro dele. Ao final, perguntei sobre o que teria que dar em troca.
Ele disse saber que eu não era nenhum idiota e que, portanto, não se atreveria a me ofender tentando vender gato por lebre. Que me oferecia a possibilidade de morrer com todo conforto, aparentando morte natural, sem qualquer possibilidade de problema legal, com todo amparo à família. Disse saber que eu era optante pela doação de órgãos, portanto, depois de morto, meu desejo seria cumprido.
Disse que o homem que representava, sofria de uma doença cardíaca e precisava de um transplante de coração com urgência. Que a fila de espera era grande e que era difícil encontrar doadores compatíveis com ele, o que diminuía bastante suas chances de conseguir o transplante que poderia salva-lo. Portanto, meu coração seria o pagamento pelo serviço recebido.
A proposta era razoável e atendia plenamente minha vontade, no entanto, minha ojeriza ao poder de compra me causava repulsa e não pude evitar dizer isso ao cara.
Ele disse compreender, mas argumentou que as coisas eram assim e que, gostássemos ou não, era infrutífera qualquer luta contra o poder e os poderosos. Ele argumentou não considerar aquele um caso de exploração, era uma troca. Eu receberia o que desejava e propiciaria ao outro o que ele necessitava.
Eu argumentei que ele estaria furando uma fila, onde outras pessoas poderiam estar mais necessitadas que ele.
Ele argumentou que eu também estaria furando uma fila, abreviando minha morte que, normalmente, ainda não estava na hora de acontecer.
Ele tinha razão, se eu concordasse, estaria furando a fila, valendo-me do mesmo artifício que o seu patrão.
O cara argumentou que, embora os meios não fossem muito honestos, os fins os justificavam, pois eu me livraria de um sofrimento desnecessário e o homem recuperaria a saúde, sem que alguém sofresse qualquer prejuízo.
Lembrei-o de que havia o problema da compatibilidade. Ele disse que, antes de me procurar, haviam verificado a compatibilidade, sem o que, seria perda de tempo me procurarem; além de terem a informação que, a despeito da minha doença, o coração estava em boas condições.
Perguntei-lhe sobre como haviam conseguido essas informações e ele disse que era confidencial, mas que as fontes eram seguras.
Eu quis saber como conseguiriam a minha morte, sem levantar suspeitas.
Ele disse que tinham uma equipe médica, que estaria de plantão em um hospital, para o qual eu seria levado como vítima de um mal súbito ou coisa parecida. A equipe me atenderia, aplicaria uma droga eficiente e forneceria um atestado de óbito assinado por dois médicos, exigência para possibilitar a cremação.
Argumentei que esse tipo de morte exige autópsia. O que eles fariam para evitar isso?
Ele disse que estava tudo sob controle e que essa formalidade seria dispensada.
Pensei que se houvesse algum problema, eles é que arcariam com as conseqüências, uma vez que eu estaria morto e minha família não tinha como ser acusada de nada. Pensei algum tempo, inclinado a aceitar a proposta de imediato, no entanto, algo me fez pedir um tempo pra pensar. Disse-lhe isso e ele concordou em esperar um dia ou dois dias.
Pedi-lhe um número de telefone ou outro meio que me permitisse procura-lo pra dar a resposta. Ele disse que, para evitar problemas, se encarregaria de me procurar. Despedimo-nos e fomos embora.
Dormir e não acordar mais, que maravilha! Parar de sentir os músculos atrofiando, os movimentos desaparecendo, o aumento da dependência. Deixar de ser alvo de olhares entristecidos, expressando dó, pena e, até, medo. Eram muitas vantagens, aliás, só vantagens. Como recusar uma oferta daquelas?
No entanto, eu me sentia incomodado. Pensar naquilo me causava mal estar. Como não conseguia pensar em outra coisa, o mal estar era constante. Por que? Como algo tão bom poderia causar aquela sensação tão ruim?
A razão me inundava a mente com argumentos apoiando a eutanásia safada; o sentimento acusava insatisfação, sem explicar, sem justificar, só gerando incômodo, mal estar, insatisfação.
O tempo foi passando, enquanto argumentos racionais e sentimentos injustificados se embolavam na mente, gerando pensamentos confusos, contraditórios, numa batalha imbecil, impedindo uma decisão clara e objetiva.
Essa situação não era nova, inúmeras vezes, durante a vida, sofrera com isso. A contradição entre emoção e razão. A razão argumentando, justificando, oferecendo analogias esclarecedoras, enquanto a emoção só provocava sentimentos autoritários, sem qualquer justificativa, gerando vontades que forçavam satisfação a qualquer custo. Aliás, não é que a emoção não argumentava, ela o fazia através de sofismas, argumentos manipulados pra tentar justificar suas pretensões. Era uma argumentação safada, travestida de razão.
Nessa briga de foice entre razão e emoção, a primeira conseguiu destacar seus argumentos, defendendo a recusa da proposta, o que, aliás, atendia a satisfação da emoção.
A previsão do futuro era bastante indesejável. Sentir a incapacidade crescendo, diminuindo a capacidade para as coisas mais elementares, crescendo a dependência dos outros; não era nada agradável. Esperar um fim inevitável, nessas condições, não é nada animador. É um custo muito alto para benefício nenhum.
Não bastasse o custo pessoal exigido, ele se estenderia a outras pessoas, exigindo-lhes sacrifícios, ainda que só ter que presenciar a degradação de um corpo e a feiúra que isso representa. Em mim, isso aumentaria o custo ao ter que perceber ser alvo de pena e dó.
É um custo muito alto!
Porém, quando comparado com o valor das lutas por ideologia, por justiça e pela pregação da solidariedade, em que me empenhei durante todos esses anos; esse custo é muito pequeno.
Aceitar a proposta do cara, seria desvalorizar, anular, todas as lutas em que me empenhei. Mesmo reconhecendo que foram infrutíferas, que resultaram em fracassos; continuo acreditando que o sucesso delas produziria uma convivência menos problemática e mais feliz; portanto foram válidas e não me arrependo de tê-las lutado.
Se não posso fechar minha vida com chave de ouro, não me atrevo a enlamear a história que construí ou, pelo menos, protagonizei.
Pode ser besteira, e acho que é, no entanto, não vou entregar os pontos no último round da luta. O cara que se vire com o seu problema que, do meu, cuido eu e não vai ser o medo de enfrentar um tempo de vida miserável que vai me fazer jogar a toalha.
Nãooooooooooo! Gritei tão alto a resposta à pergunta do cara sobre minha decisão, que acordei.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Medo da morte?

MEDO DA MORTE?
Continuo lendo o livro “A última grande lição” escrito por Mitch Albom, a respeito da doença (ELA) de Morrie Schwartz.
São relatos, impressões e sentimentos sobre um cara que sabe que vai morrer, que vê e sente seu corpo “desminingüíndo” , que busca valorizar o que lhe resta de vida, tentando aproveitá-la para ensinar, chamar a atenção para valores normalmente desprezados, orientar, confortar e distribuir esperanças. Não consigo deixar de pensar que esse comportamento do Morrie objetive valorizar-se, merecer admiração, possibilitando permanecer por mais tempo e com mais força na lembrança das pessoas. Afinal, quem é que não gosta disso?
É interessante verificar a importância da vaidade pro indivíduo. O ser admirado é mais importante que a própria vida biológica. Imaginar que vai ser admirado, mesmo quando o físico não existir mais é muito atraente e causa enorme prazer. Isso é uma prova de que a vida é muito mais que células orgânicas que, no fundo, só servem para a criação de sentimentos e emoções que constituirão uma história. Acho que a história é o resultado da vida e que, depois de construída, o corpo que a propiciou é totalmente dispensável.Pode-se dizer que o corpo é como a forma de terra que serve para fundir a estátua de bronze: depois da fundição, a forma é desfeita, enquanto a estátua permanecerá por longo tempo.
É uma pena que tantas formas não atendam o objetivo e sejam descartadas vazias, ou preenchidas por materiais que não sobrevivem a elas.

A maioria das pessoas passa a vida buscando acumular capital para, depois, realizar satisfações pessoais. A maioria não consegue acumular nada e todo seu esforço é consumido pela sobrevivência.
A aposentadoria é considerada, pela maioria, o final da obrigação e o começo do desfrute que, no entanto, não acontece por falta de capacidade para realizá-lo. É natural que esses repudiem a morte, pois ela representa o final da esperança do desfrute que não aconteceu. Pra eles, a morte representa o fracasso, a frustração, o sentimento de não haver vivido.
Muitos desses sabem que não conseguiram fazer o que gostariam ter feito, limitando-se a criticar os que fizeram, aumentando os obstáculos que os impediram de realizações emocionais.
O empenho em garantir o futuro os impediu de aproveitar o presente, de aproveitar o amor quando ele estava incendiado, de beijar os filhos quando transbordavam de ternura, de chorar e rir com a sinceridade das amizades, de desfrutar o prazer de ajudar desinteressadamente, de lutar por interesses alheios, por justiça e por ideologias.
Esses tem razão de sobra pra temer a morte que lhes mostra o que não fizeram, não realizaram, nem mesmo tentaram. Ela os ameaça com o ostracismo, com lembranças vagas de alguém que passou..., que só passou pela vida.
Pra quem não se deixou escravizar por desejos mesquinhos, egoísmo e prepotência; a vida continua após a morte, mesmo que não existam céu, inferno, purgatório, reencarnação ou qualquer outro tipo de existência extra-terrena.

domingo, 4 de maio de 2008

DESAPEGO

DESAPEGO
No final da primeira parte do livro “A última lição”, Morrie fala a Micht sobre a necessidade do desapego. Diz que é necessário ir fundo na emoção, vivenciá-la intensamente pra, depois, desapegar-se dela. Mergulhar no amor, no medo, senti-los intensamente, conhecê-los profundamente e, depois desapegar-se.
Pra mim, desapego é desfrutar sem a necessidade de possuir. É admirar a beleza da flor, sentir-lhe o perfume, sem colhê-la, deixando-a onde está, numa praça, no nosso quintal, ou em qualquer terreno que não nos pertença. É sentir o prazer de navegar em um barco que não nos pertence. Passar um final de semana em um sítio ou casa de praia que não possuímos, mas que podemos usar. É amar uma criança, independente de que seja nossa filha. É amar uma mulher enquanto for possível, enquanto ela nos quiser, sem ter que aprisioná-la, sem obrigatoriedade, só enquanto ela nos quiser pelo prazer de estar conosco. É trabalhar e lutar por realizações, independente de conquistas materiais que possam resultar. É livrar-se de preconceitos, defender idéias e mudar de opinião quando a racionalidade indique essa necessidade. É saber que não existem verdades absolutas.
Desapego é perceber que a vida não nos pertence, que nos foi dada sem perguntar se a queríamos e que nos será tirada sem nosso consentimento.
Desapego é perceber a limitação da nossa capacidade, usando-a, sem pretender mais do que ela pode.
Se você é dos que valorizam muito mais o possuir do que o desfrutar; deve ser um sofredor. Que pena!

domingo, 27 de abril de 2008

VELHO

VELHO
Porra! Com que rapidez fiquei velho!
Faz pouco tempo, muito pouco, alguns meses; me sentia jovem. Não jovenzinho, mas jovem. Trinta e tantos..mais ou menos, sei lá!
De repente, olho minhas mãos e vejo veias saltadas, rugas acentuadas, algumas manchas escuras. A pele dos braços enrugada, frouxa, sem brilho. Os ombros caídos, o peito também.
Tá sobrando pele! E a barriga! Sempre fora uma tábua e, agora, algo a empurrava pra fora.
As pernas com pouco músculo e muita pele. Cadê o pelos das canelas? Talvez essa tenha sido a maior evidência da velhice.
Careca e cabelos grisalhos muito jovem tem, não é indício de velhice. Canelas carecas, sim! Que coisa feia, canelas lisas, sem pêlos. Lisas nada, marcadas por veias salientes e marcas de machucados antigos.
Corri pro espelho e olhei. Tava sobrando pele, bolsas sob os olhos em que ainda não tinha reparado. Como é que fui ficar velho tão de repente?!
Foi um choque! Sentei na área, no chão e, enquanto o sol caminhava, já chegando perto do horizonte; fiquei cismando. Como é que envelhecera tão rápido? O que tinha acontecido? Fiquei cismando...
De repente, a imagem do Pico do Gavião, em Andradas, onde a gente voava de paraglider, me ocupou o pensamento. Não o pico propriamente dito, mas o espigão da cordilheira. Foi isso mesmo!
A vida é como a cordilheira, a gente nasce e começa a subir em direção ao espigão, que representa a juventude. Dali, começa a descida, em direção à velhice. Vai-se descendo a encosta, acumulando anos a cada trecho, até chegar ao vale, que é a velhice.
Eu, pra variar, não concordei com o caminho pré-estabelecido. Ao invés de ir descendo, continuei caminhando pelo espigão, olhando o longe, como o piloto de vôo livre que busca o lift e, principalmente, as térmicas que o levarão para o alto. O objetivo é voar. Pousar é conseqüência que não se pode evitar, mas que se procura retardar ao máximo.
Meus objetivos me mantinham no alto, caminhando pelo espigão, negando-me a iniciar a descida. Não tinha tempo pra olhar pra mim, o olhar estava ocupado nas conquistas que pretendia.
Foi isso! Eu não olhei pra mim, por isso não percebi o que acontecia. Minha mente ficou no espigão enquanto, como eu teimasse em não descer, os anos subiram e foram se acumulando sem que os percebesse.
Nunca tive nada de excepcional, nem músculos, nem formas, nenhum tipo do que se pode classificar como beleza. Nunca me incomodou muito, não fez falta. Fui admirado e reconhecido por outros motivos e, isso, foi importante. Racionalidade, emoção e sensibilidade foram se fortificando com o decorrer do tempo. Acho que isso me fez acreditar que remoçava quando, na verdade, envelhecia. A não ser a capacidade de lembrar, a mente não se deteriora com a idade, ao contrário, se apura e expande. No entanto, a carcaça deteriora, dificultando que a evolução da mente seja melhor aproveitada.
Por algum motivo, nesta idade, eu teria que estar onde estou e, como não havia tempo para descer a rampa da velhice, despenquei na falésia que não permitia volta.
Talvez eu pensasse que enganaria a natureza ou que morreria no espigão, livrando-me da descida.
Nem uma coisa nem outra! Estou aqui, com pele sobrando, pêlos faltando, músculos murchando, gorduras se acumulando num corpo magro e desajeitado, como sempre foi.
Porra de natureza! Por que tem que ser assim?

quarta-feira, 9 de abril de 2008

ELA

Ah, ah, ah.
Eu não poderia ser acometido por uma doença comum, dessas que, de vez em quando, a gente fica sabendo que matou algum conhecido. Não. Tinha que ser uma doença rara, sem causas conhecidas, sem tratamento regenerativo e sem chances de evitar a progressividade. Uma doença que se encaixa bem nas minhas características, fugindo do convencional.
Pra muitas pessoas, a falta de alternativas é uma tragédia. Eu considero isso uma vantagem, evitando gastar tempo, dinheiro e trabalho na busca de cura. Ela é claramente definida: não tem cura e acabou! Se você tiver alguma coisa pra fazer, faça logo, enquanto for possível.
É comum ao ser humano planejar o futuro. A identificação de uma doença fatal, informa que não haverá futuro mais distante e que é hora de realizar, o mais rápido possível, o que estava planejado para um prazo maior. Quando o tempo é aproveitado com eficiência, é possível realizar muito mais do que em condições normais, em que o tempo costuma ser desperdiçado.
Na maioria dos casos, o tempo que resta de vida, é gasto na busca de tratamentos ou rituais que possam promover a cura. No caso da ELA esse problema não tem sentido, uma vez que não há tratamento possível. Portanto, a lógica recomenda usar o tempo para realizações que estavam à espera do futuro.
Eu não tenho esse problema. Sempre fiz projetos, mas me acostumei a não conseguir realizá-los. Sempre busquei realizar o que me foi possível e aproveitar as oportunidades de prazer que se me ofereceram. Acho que se não consegui tudo que quis (nem seria possível, tamanha a quantidade de quereres), aproveitei bem o que me foi possível e considero ter sido um privilegiado ter conseguido tanto; muito mais que a maioria dos mortais. O que vivi nesses quase sessenta anos, muitas pessoas não viveriam nem em duzentos. Portanto não tenho o menor direito de me queixar.
Os prazeres que vivi estão muito além de divertimentos e festividades. Eles envolveram grandes emoções, realizações, vencimento de desafios, conquista de admiração e reconhecimento. Tenho uma galeria de troféus composta de erros que cometi e que muito me ensinaram. Vivi experiências em vários níveis culturais, sociais e econômicos. Amei e fui amado, o que representou as emoções mais gratificantes e prazerosas. Não bastasse tudo isso, ainda mereci a classificação de diferente, aventureiro, louco e outros adjetivos que considero enaltecedores. Ta com inveja? Se quiser, ainda é tempo de mudar. Eu, até gostaria de ter mais, mas estou satisfeito e não me queixo.
Descobri que o que se conhece da vida é a ponta de um iceberg, a maior parte está envolta em mistério inescrutável. Pude perceber minha pequenez e, isso, me livrou de muitas culpas que senti. Pude me sentir como instrumento e perceber que não era tão capaz quanto imaginara, nem tão incapaz como pensara.
Os sintomas da doença, somados ao que tenho passado nos últimos tempos, me indicavam a possibilidade de que caminhava, aceleradamente, para o fim. O diagnóstico confirmou isso e causou um certo impacto. De certa maneira, foi a confirmação do que eu já havia imaginado, mas confirmação é sempre confirmação. Não me abalou, não senti tristeza nem revolta. Continuei tranqüilo, mas tive que lidar com uma espécie de rearranjo das idéias, em fim, agora, já não era uma intuição, adivinhação ou sentimento; era uma constatação. O que era uma possibilidade, agora, era realidade palpável.
Fiz uma busca interna a procura de alguma vontade que esperasse satisfação. Não encontrei. Não tenho nenhuma vontade que mereça satisfação. Mais ainda, não encontrei vontades.
Eu já vinha vegetando, mesmo com capacidade para realizar coisas. Não porque eu quisesse, mas por falta de condições. Se pude vegetar inutilmente, enquanto tinha condições de trabalhar e realizar; não deverá ser difícil vegetar, tendo como justificativa a incapacidade física.
Se eu vinha vegetando no que se refere a ações externas, o mesmo nunca aconteceu em meu interior. Nunca deixei de refletir, analisar, aventar hipóteses, desenvolver teses e chegar a conclusões. Tenho registrado tudo isso e está disponível a quem possa interessar. Portanto, se isso fosse utilizado, já seria realização mais que suficiente, Por isso não sinto falta de criar mais nada. Acho que já tenho muita coisa criada, sem aproveitamento.
O que tenho sofrido nos últimos tempos e o que, ainda, me resta sofrer; com certeza não causará inveja a ninguém. No entanto, o que desfrutei durante a vida, despertará muita cobiça em muita gente. No balanço de prós e contras, acho que saí no lucro. Isso me conforta e deve confortar a quem gosta de mim.
Ei! Não morri ainda. Espero, ainda, poder escrever mais bobagens neste espaço.
Eu gostaria que esta reflexão inspirasse pessoas a aproveitar as oportunidades boas que a vida oferece, evitando ter que se queixar de não tê-lo feito, se um dia chegar à situação em que me encontro.
Até!

terça-feira, 11 de março de 2008

REVOLUÇÃO

As FARC lutam, há anos, contra o governo da Colômbia.
O governo da Colômbia luta, há anos, contra as FARC.
Tanto o governo, quanto as FARC, apregoam que defendem e buscam o melhor para o povo.
Uma parte do povo concorda e apóia o governo. Outra, as FARC e, outra, é contra os dois.
Os partidários do governo querem o fim das FARC e a punição de seus membros. Os partidários das FARC querem que ela tome o poder, implante suas idéias e castigue os derrotados.
Se o país fosse dividido, proporcionalmente, entre esses três segmentos; e eles assumissem o compromisso de não agressão entre eles; é provável que, em pouco tempo, se verificasse conflitos internos, em cada segmento, objetivando tentar impor idéias divergentes.

O que justificaria a revolução, o uso da violência para derrubar idéias contrárias e implantar as defendidas?
É senso comum que o ambiente ideal para o confronto de idéias é o debate entre teses que defendem hipóteses, com o máximo de dados possível.


A maioria das pessoas gostaria de um regime que lhes garantisse os direitos e os livrasse dos deveres. Que lhes proporcionasse benefícios sem qualquer custo. Alguns sonham com isso, outros consideram possível e, o resto, considera isso um direito inalienável.


Enquanto os idealistas defendem e lutam pelo que lhes parece melhor para o povo, este continua só querendo mais, mesmo que isso resulte em menos.
Ah, como é difícil resumir análises!

O objetivo de todo indivíduo, na vida, é a felicidade, mesmo que ele não tenha consciência disso. Suas ações e, principalmente, o repúdio à infelicidade provam isso.
A fonte da felicidade é a satisfação de vontades, desejos ou qualquer outro nome que se dê a isso.

O indivíduo costuma dar muito mais importância à busca da satisfação do que à análise da vontade que a provoca, pra saber se é coerente e, principalmente, se a satisfação lhe causará bem ou mal.
Não é raro que o indivíduo se esforce para satisfazer uma vontade e, quando consegue, perceba o prejuízo e sofrimento como resultado. Isso deveria provocá-lo a questionar suas vontades, no entanto, ele continua buscando satisfação, obediente, como verdadeiro escravo da vontade, sem questioná-la.

Capitalismo, comunismo e religião, podem ser considerados os três eixos principais das disputas ideológicas. A cada um desses eixos se agregam um sem número de variantes e acessórios.
O capitalismo defende o mercado como meio regulador das disputas entre os indivíduos na busca de seus objetivos que, para ele, é o progresso propiciado pela conquista. O capitalismo defende o direito do indivíduo se destacar dos demais, conquistando tudo o que desejar e que sua capacidade permitir. O progresso individual é a meta e o egoísmo a força que propicia essa busca. Ele admite e, até, incentiva a associação entre indivíduos para conseguirem seus objetivos. É mais ou menos o: “Cada um por si e Deus por todos”
O comunismo defende a igualdade entre os indivíduos, condenando destaques e privilégios. Defende que privilégios são resultado da exploração de indivíduos, por outros, propiciando mais do que os primeiros precisam, gerando falta do essencial para os segundos. Para o comunismo, não é possível o bem estar individual, sem uma sociedade que possibilite isso. A construção de uma sociedade justa e fraterna é o objetivo e, a solidariedade, é a força que poderá viabilizá-lo. É o: “Um por todos, todos por um”
As religiões pregam a onipotência do criador e a devida sub-missão dos indivíduos a ele. Elas pregam a paz enquanto lutam, e até guerreiam, buscando supremacia. Defendem que a vida na terra objetiva e resulta, no pós morte. Dependendo da vida na terra, o indivíduo merecerá o céu ou inferno, após a morte; por exemplo. É comum que considerem o sofrimento na terra como grande vantagem para conseguir recompensa após a morte. É muito difícil encontrar lógica nas religiões, principalmente, pela força dos dogmas em que se baseiam.

Se o determinante pelas escolhas fosse a racionalidade lógica, seria possível o consenso. No entanto, outros valores se sobrepõe à racionalidade, como por exemplo: preconceitos, emoção e sentimentos. Isso impede que a racionalidade seja determinante e possibilita escolhas variadas sobre as regras para a convivência em sociedade.
Não sendo possível o consenso, a alternativa menos ruim é respeitar a vontade da maioria. Eleições periódicas possibilitam a continuidade dos debates e as mudanças que a maioria escolher.
O problema se estabelece quando a força impede a divulgação de algumas idéias e privilegia as que se opõe a elas. É o caso, quando, quem está no poder, usa-o para forçar a aceitação do que defende e não mede esforço para impedir a defesa e divulgação das idéias que os contrariam.
Outra maneira de impedir a discussão e divulgação de idéias é a violência física pela força das armas. É o caso das revoluções ideológicas.
A revolução ideológica pode ser motivada pela impossibilidade de seus idealistas divulgarem suas idéias, enquanto a situação usa e abusa de sofismas para submeter o povo a seus interesses, enganando-o na tentativa de conseguir seu apoio.
Outra motivação da luta armada é tentar impor idéias que não conseguem ser aceitas pelos argumentos que as defendem.
A experiência mostra com, evidências estrondosas, que o uso da força, sempre, degenera e propicia seu uso para interesses escusos, por mais justificáveis que tenham sido os motivos que a provocaram.

sábado, 1 de março de 2008

O que é vida e onde começa?

Hoje pela manhã, assisti ao final de um debate, na Globonews, sobre células tronco. Participavam cientistas e religiosos.
Entendi que a questão fundamental é a definição do momento em que a vida tem início.
O que fica evidente é a consideração da superioridade da vida humana, em relação a todos os outros tipos de vida.
Parece que essa supervalorização se deve à crença de que o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Quer dizer: ele não é Deus, mas muito parecido, enquanto as outras espécies não mereceram essa distinção.
O homem pode matar outros seres vivos para se alimentar e, até, para oferecer essas vidas em rituais religiosos. Entretanto, a vida humana é sagrada e, em hipótese alguma, pode ser tocada.
Não existem provas sobre as afirmações religiosas, nem mesmo lógica nas argumentações que as defendem. Portanto, a fé é uma emoção, um sentimento que prevalece sobre a lógica.
A humanidade considera que o maior absurdo da ideologia do nazismo, era considerar a raça ariana como pura, merecedora de todas os direitos e benécies, enquanto, as outras, eram inferiores e deveriam ser dizimadas para não comprometer a raça superior.
Os religiosos defendem a mesma ideologia, só trocando a raça ariana pela humanidade como um todo. Hitler defendia que a raça ariana era superior a qualquer outra raça humana. Os religiosos defendem que o ser humano tem essa mesma superioridade em relação a todos os outros tipos de vida. Me parece tão absurda a primeira quanto a segunda tese.
Só considerando os seres vivos, é tão evidente a complexidade, que parecem absolutamente simplórias as teses da humanidade que pretendem compreendê-la. Saltam aos olhos as intenções corporativistas que estão na base dessas teorias, pretendendo monopolizar o direito do homem sobre todos os outros seres vivos.
Os animais selvagens continuam, hoje, praticamente iguais, vivendo e se comportando da mesma maneira que o faziam na época do império romano. Não criaram nada de novo.
O ser humano, durante esse tempo, descobriu e inventou uma enormidade de coisas objetivando melhorar sua qualidade de vida, diminuindo a necessidade de esforço físico, curando doenças, propiciando facilidades, conforto e lazer. A mesma capacidade que propiciou isso, gerou destruição, dor e sofrimento. Muitas dessas coisas geraram tanto o bem como o mal, dependendo do uso que lhes foi dado.
Os animais selvagens não criaram nada de bom, no entanto, também não causaram males novos. No entanto, não puderam deixar de sofrer as conseqüências da atividade humana. É isso que justifica a superioridade do ser humano sobre todos os outros seres vivos?
Voltando ao motivo do início desta reflexão, a pesquisa com células tronco, embrionárias ou adultas; a polêmica tem mostrado a fragilidade da razão em confronto com a emoção e da lógica frente à crença.
O homem considera natural que animais se alimentem de ovos de outros animais e, até, os da própria raça. Da mesma maneira que aceita que filhotes sejam devorados. No entanto, considera inadmissível a interrupção da evolução de um embrião humano que nem o estágio de ovo aviário atingiu.
A maior incoerência está no fato de se combater o uso de embriões criados em laboratório e que não têm como evoluir e acabarão sendo descartados, quer dizer, mortos. Eles foram gerados artificialmente, embora com matéria prima natural, em número maior que o necessário, objetivando diminuir a chance de fracasso. Se for criado só um embrião e ele apresentar problemas, o processo terá que ser reiniciado. Criando vários, é possível descartar os defeituosos e, ainda, sobrarão embriões perfeitos para o sucesso do processo. Mas, claro, como só será usado um, os outros não terão como se desenvolver.
Não seria mais lógico impedir a criação desses embriões? Eles não existindo, não haveria a possibilidade de qualquer ação sobre eles, portanto esse problema não existiria, muito menos, motivos para essa polêmica.
Mais incoerente, ainda, é admitir a não evolução desses embriões, impedidos de chegar à vida completa e, pior, admitindo que sejam descartados, quer dizer, que morram. Admitem uma morte inútil, enquanto repudiam a possibilidade de que essa morte possa representar a salvação de outras vidas, em pleno andamento e, muitas vezes, de indivíduos que já provaram ter muito a oferecer.
Usando uma argumentação agressiva: essas pessoas preferem defender a vida de um embrião, que poderá resultar num criminoso, enquanto impedem que alguém bom e com capacidade demonstrada, perca a chance de continuar vivendo.
Pelo que defendem as religiões, a fertilidade não seria um desígnio de Deus?
Se a vontade Dele é a não procriação daquele casal, não é uma afronta provocá-la artificialmente?

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Deus II

Oi Deus!
Desculpa aí! Mas se eu não puder falar pra você, vou falar com quem, a respeito das minhas reflexões?
Estive pensando na possibilidade de você saber tudo, isto é: ver e ouvir o que todo mundo faz e fala; o que todos pensam, o que farão no futuro; em fim; tudo. Parece impossível que seja assim, mas, ao que tudo indica, é.
Aliás, o que não parece impossível, vindo de você? Tudo que você fez e, parece que ainda faz, parece mais que impossível!
Eu acredito que, seja lá o que você faça, está muito além de nossa capacidade de compreender; no entanto, a mania de tentar compreender me leva a especular sobre algum sistema que possibilitasse isso.
Imagino um batalhão de santos, espíritos e anjos, distribuídos numa hierarquia perfeita, com um sistema de comunicação de mão dupla, que propicia a circulação instantânea dos dados. Vão comandos e vem resultados, instantaneamente, em tempo real. Você seria uma espécie de CPU, armazenando dados, manipulando-os, emitindo ordens e cobrando resultados. Será que isso é possível? Sei lá...
Outras vezes, penso que a sua capacidade dispensa ajuda. Que você sozinho vê, escuta, cheira, sente, arma situações, provoca acontecimentos, prevê o resultado, em fim, tudo!
Bom..., você me desculpa, mas não posso deixar de pensar que esse sistema seja composto de um monte de santos e anjos, que eles não sejam tão competentes e que acabem aprontando as cagadas que verificamos aqui na terra. Eu sei que é meio absurdo pensar isso, considerando que, quem teve capacidade de criar o universo, com tamanha complexidade, não iria delegar poderes a incompetentes. Acabo concluindo que, se as cagadas existem, elas são resultado de sua vontade. Nós não sabemos os porquês, mas você deve saber.
No entanto, você sabe que nós, humanos, não temos total domínio sobre nossos pensamentos (aliás, temos tão pouco, que chego a considerá-lo insignificante.) Por isso, não consigo deixar de pensar que entre santos, anjos, espíritos, e sei lá o que mais; aja alguns corruptos. Não posso deixar de pensar que, alguns deles, vendam facilidades, quebra-galhos ou, até, maldades; em troca de promessas, rezas ou sei lá o que possa interessá-los.
Não consigo deixar de pensar que um santo aceite rezas, promessas e sacrifícios em troca de atender um pedido de um devoto. Que um espírito atenda o pedido de alguém em troca de um trabalho feito em um centro espírita, aceitando cachaça, frangos, farofa, velas e rituais.
É claro que você sabe o quanto e o que as pessoas pedem. Alguns alcançam o que pediram, outros, não. Algumas pessoas pedem curas, paz, felicidade, harmonia, em fim; coisas consideradas boas. Outros pedem vantagens para si, sem se preocupar com os prejuízos que seu pedido causará a terceiros. Pedem o amor de quem ama outra pessoa e, principalmente, é amado por ela; sem se preocupar com o que a pessoa perdedora poderá sofrer. Pedem a falência de alguém para usufruir vantagens que isso possa lhe propiciar.
Você sabe que, pela lógica dos homens, o atendimento desses pedidos demonstra muita injustiça. Muita gente boa não consegue o que pede com fervor e pureza; enquanto, outros, alcançam o desejado, mesmo que seja evidente sua má conduta, falta de caráter e coisas assim.
Em troca dos milagres pretendidos, há quem ofereça sacrifícios, bens materiais, rituais, ajudar ou prejudicar outras pessoas, em fim, há de tudo. Uma oferenda que me parece absurda, é o sacrifício de animais. Tem gente que promete percorrer grandes distâncias, só que vai em lombo de animais (cavalos, burros, etc.). Na verdade, quem paga a promessa é o animal, pois ele é que faz o sacrifício. Prometer o sacrifício de outros é fácil, né?
Será que as incoerências verificadas em milagres é fruto de corrupção?
Não acredito que você aceitaria isso, mas não consigo deixar de pensar nessa possibilidade, afinal, estamos tão acostumados com isso aqui na terra e, como a maioria dos santos e espíritos já viveram aqui, não é impossível que tenham contaminado o teu sistema. Acho que, depois do teu poder, vem o da corrupção. O coisinha poderosa!
Deus, se você sabe de tudo, sabe como me sinto e os pensamentos que me atormentam, portanto, não deve estranhar que eu faça estas reflexões e te coloque como destinatário delas. Provavelmente, é você mesmo quem me provoca a fazer isso. Como de resto, não sei qual seu interesse nisso, mas, seja feita sua vontade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

certo ou errado?

Há como julgar o certo ou errado no comportamento e modo de viver das pessoas?
Todos temos valores e padrões que orientam nosso comportamento e modo de viver, conseqüentemente, eles nos sevem de parâmetro para julgar os outros. Se vivemos segundo esses padrões e valores, é porque os consideramos certos, portanto, o que os contrariar, estará errado.
Por outro lado, esses valores e padrões, muitas vezes, são estabelecidos por preconceitos e os aceitamos sem questioná-los. Grande parte deles têm origem social e religiosa, enquanto, outros, se originam no egoísmo, comodismo e na preguiça.
Julgamentos baseados nesses parâmetros, dificilmente serão justos.
Não bastasse a irracionalidade de muitos parâmetros, o julgamento sofre grande influência da emoção. Portanto, o veredicto, além da distorções dos parâmetros usados, depende do estado emocional de quem julga. Some-se a isso s facilidade que temos para criticar e condenar, e as chances de um julgamento justo se situam muito próximo do impossível.
O que importa ao indivíduo é o que ele sente: prazer, alegria, ternura, amor, raiva, revolta, tristeza, melancolia, ódio, etc. Ainda que a racionalidade mostre com clareza o quanto aquele sentimento seja prejudicial ao próprio individuo ou a terceiros; ele prevalecerá e exigirá grande esforço para ser combatido, se o indivíduo decidir pela racionalidade.
O objetivo da vida é a felicidade e, esta, é resultado da satisfação de vontades. Portanto, é natural que o indivíduo sinta felicidade quando satisfaz vontades e, infelicidade, quando não consegue satisfazê-las ou a satisfação se mostra frustrante.
Pode-se considerar que a vida é como uma corrente formada de elos de tamanhos e de valores diferentes. Elos minúsculos, pequenos, médios, grandes ou enormes; de ferro vagabundo, cobre, bronze, prata, ouro, platina, até o mais precioso material que possa existir. A corrente é contínua, mas os elos variam em tamanho e valor, representando felicidade ou infelicidade, prazer ou sofrimento, nas mais variadas sensações.
Não dá pra saber se essa corrente vai sendo construída à medida que vamos vivendo, se já está pronta e só nos resta segui-la, se algo desconhecido interfere na sua construção, qual o nível de independência que temos para construí-la ou modificá-la. O que parece certo é que ela é contínua e os elos anteriores interferem nos seguintes.
Há pessoas que vivem segundo parâmetros bastante rígidos, evitando grandes variações. Um exemplo, desses, é o de religiosos que se submetem a rotinas de vida extremamente rígidas, muitas vezes, vivendo confinados, sem maior contato com a sociedade, em verdadeira clausura. Entre esses, é comum a auto-flagelação para tentar expulsar vontades, emoções e sentimentos que contrariem os valores que escolheram seguir e possam interferir na rotina a que se submetem. Isso evidencia a força e o poder da vontade, emoção e sentimentos. Essas pessoas se esforçam para que os elos da sua corrente sejam homogêneos em tamanho e valor; tentando diminuir os maiores, aumentar os menores e homogeneizar o material que os constitui. Essas pessoas conhecem bem os sacrifícios que têm que fazer para enfrentar as forças que tentam desviá-las de seus objetivos.
Em contrapartida, há pessoas que vivem como barcos a deriva, levadas por vontades, emoções e sentimentos, sem racionalidade, sem avaliar conseqüências.
Os que vivem lutando para manter a disciplina de rotinas e os que vivem a mercê de vontades, emoções e sentimentos; representam os extremos de uma gama enorme de possibilidades. Entre esses extremos existe um ponto médio onde se situam aqueles que conseguem um equilíbrio entre emoção, vontade, sentimentos e racionalidade; onde a análise do fator custo/benefício é fundamental para a tomada de decisões; É de se considerar que o número dessas pessoas deve ser muito pequeno.
Para justificar o que foi dito, nada melhor que exemplos reais.

Homem honesto, trabalhador, respeitador de mulheres, crianças e velhos; vivendo para a mulher e os filhos, abstendo-se de diversões, considerando que o dinheiro e energia gastos ali eram puro desperdício. De casa para o trabalho e do trabalho para casa, era a rotina desse homem. Nada de aventuras, nem de farras. Só conhecia o mundo pelo noticiário e se divertia torcendo pelo seu time. Trabalhava para o sustento da família e, o pouco que sobrava, investia na melhoria da casa e algum conforto para a família. Era admirado pelas mulheres, principalmente por aquelas cujos maridos viviam dando motivos pra ciúmes e gastavam um bom tempo e dinheiro em bares e outras diversões. Era admirado, mas, dificilmente, desejado. Era admirado, até, fisicamente, no entanto, não era desejado, não despertava paixões, era insosso, sem graça. Não oferecia perigo e era totalmente previsível. Como profissional cumpria seus deveres sem destaque, sem progresso, contentando-se com o suficiente. Era um homem bom.

Outro cara, não admitia ser igual a maioria. Sentia uma necessidade incontrolável de ser diferente, precisava ser admirado, estar na ribalta o máximo de tempo possível. Tinha um talento incrível para contar estórias que, claro, não teriam a menor graça se não fosse pelos detalhes quase absurdos que criava. Aliás, classifico-as como estórias e não histórias, porque era isso que eram. Embora ele pretendesse fazer crer que eram histórias, a maioria não passava de mentiras inventadas, baseadas em fatos reais que não contribuíam nem com dez por cento do que ele contava. Era muito admirado e capaz de reter a atenção de pessoas por longo tempo, ouvindo o que dizia. Era um aventureiro e vivia desafiando o perigo, não tanto o físico, mas, principalmente, o moral. Corria atrás de satisfazer suas vontades sem medir conseqüências, muito menos, os prejuízos que poderia causar a terceiros. Mãe, irmã e outros parentes, sentiram forte o que era sofrer as conseqüências do que ele aprontava. Saia das enrascadas, depois de causar grandes danos, como se nada tivesse acontecido e, logo depois, já estava se atirando em outra aventura, desconsiderando, novamente, as conseqüências. Sua capacidade de iludir as pessoas, granjeando admiração e conquistando algumas vítimas para as próximas investidas; facilitavam-lhe desconsiderar os que o desprezavam e, até mesmo, odiavam, pelo que tinham sofrido por causa dele. Passou a vida conquistando admiradores e frustrações. Em contrapartida aos poucos sucessos conseguidos, que foram efêmeros; soma-se um número bastante alto de fracassos. Sofrimento e frustrações. Tinha grande capacidade racional, mas só a usava para defender o que pretendia, argumentar em sua defesa e justificar suas safadezas. Sem dúvida nenhuma, teria sido um grande dramaturgo e ator, comovendo platéias, distraindo-as e divertindo-as. No entanto, quis fazer da vida a sua ribalta.