terça-feira, 29 de julho de 2008

ME ACORDA!

ME ACORDA!
Cara! Há muito não tinha um pesadelo tão horrível e assustador.
Fui me encontrar com amigos que há muito não via e que resolveram promover uma reunião pra relembrar os bons tempos, no sítio de um deles.
Ao chegar, fui cumprimentar os que já haviam chegado, extravasando a saudade há muito reprimida. Era uma felicidade muito grande abraçar e beijar amigos que não via há muito tempo.
Logo estranhei o fato de ninguém, ainda, ter me oferecido um copo com caipirinha ou uma latinha de cerveja. Notei que ninguém estava bebendo.
Gritei que estava com sede e, de imediato, uma das amigas se apressou a me trazer um copo cheio.
Chá! Chááááááááááááá! Era chá!
O que tinha acontecido com aquele povo?
Costumávamos nos reunir algumas vezes por ano, começando no final do dia da sexta-feira, pra só ir embora no final do domingo. Pinga, caipirinha, batidas, wisk, conhaque e muita cerveja. Churrasco com muita gordura, torresmo, patês e muito cigarro. Conversa fiada, gozações, cantoria, dança, bebedeira e ressaca curada com mais bebida. Duas ou três horas de sono entre um dia e outro, eram mais que suficientes pra recomeçar.
Agora, estavam tomando chá!
“É claro! Como sou burro!” Os safados tinham me aprontado aquela. EraM suficientemente safados pra isso. Tinham armado aquele circo pra me fazer de besta. Tinham escondido as bebidas e comidas, só pra tirar um sarro com minha cara.
Ao invés de reclamar, fiz de conta que estava tudo bem. Saí andando naturalmente e fui até a casa, onde as coisas estariam escondidas. Bestas eram eles, imaginando que me fariam de idiota, pra me gozar até o fim da festa.
Cheguei ao galpão, ao lado da piscina, onde a churrasqueira estava apagada. Sobre a grande mesa de madeira, pratos e travessas cheias de saladas, legumes, frutas, jarras com sucos e chás gelados.
Abri a geladeira que estava cheia de frutas, sucos e mais jarras de chás.
Eles eram suficientemente filhos da puta pra armar aquele circo todo. Ter se dado a todo aquele trabalho só pra tirar sarro dos que chegassem depois. Já tínhamos feito encenações bem mais trabalhosas, só pra gozar com a cara de alguém, o que motivava muitas gozações durante todo o fim de semana.
Examinei os banheiros do galpão e, nada. Fui até a casa, examinei a cozinha, onde a mulher do caseiro, que cozinhava legumes, me ofereceu suco ou chá, além de milho cozido. Agradeci e dispensei, indo até a sala, onde não encontrei nenhum isopor onde pudessem ter escondido as cervejas. O freezer na dispensa estava cheio de polpa de frutas.
Desde que recebera o convite, passara os dias imaginando minha chegada ali, o pessoal correndo pra me abraçar, gritando abobrinhas, me passando a mão na bunda, me oferecendo um copo com caipirinha, uma latinha de cerveja e um pedaço de carne gorda. Aquela confusão de vozes querendo saber das novidades e contando o que tinha acontecido. Em fim, a zueira de costume.
Chá, sucos, verduras, legumes; que porra era aquela? Cadê a bebida, o churrasco, a porra-louquice, a descontração?
Voltei pra junto do pessoal, que conversava educadamente, sem levantar a voz, sem falar palavrões, com as roupas alinhadas e combinando, com os cabelos penteados, sem cheiro de suor ou chulé.
Um deles, o mais gozador da turma, se aproximou de mim e disse:
- Por que você não larga essa porcaria?
- A tua mulher? Não largo de jeito nenhum!
Ele deu um sorrizinho, me acariciou um braço e disse delicadamente: -Estou falando do cigarro. Essa porcaria vai acabar te matando.
Mandei ele ir tomar no cu, dei-lhe um tapa na nuca e fui me juntar aos outros.
Aquilo mais parecia uma reunião de executivos de uma multi-nacional. Defendiam a lei seca, condenando com veemência o que cansamos de fazer durante anos: dirigir depois de beber. Éramos muitos e, nenhum, nunca se envolveu em qualquer acidente por causa de bebida.
Na conversa sobravam críticas à gordura, carne vermelha, pimenta, condimentos e outras gostosuras. Eram causa de colesterol, doenças cardíacas, câncer, entre um monte de outras doenças que descreviam com detalhes. No entanto, o maior vilão era o cigarro, que condenavam com veemência. Só faltaram acusarem-no de causador de terremotos, maremotos e outros acidentes naturais.
Eu sentia um desassossego enorme olhando praquele monte de velhos amigos, totalmente desconhecidos. Pra onde foram os primeiros? De onde vieram os outros?
Senti a cabeça confusa, girando e virando cambalhotas. Me afastei pra fumar um cigarro e tentar entender o que estava acontecendo.
Estava a beira do lago, junto a uma moita de bambus, fumando, quando senti que alguém se aproximava. Era uma mulher muito bonita, que eu não conhecia.
Não sei como, mas o fato é que nos abraçávamos, beijávamos e as mãos percorriam nossos corpos, apalpando cada poro, sentindo cada umidade, gerando enorme calor. Quando eu sentia a firmeza e abundância de sua bunda em minhas mãos, ela afastou sua boca da minha e me pediu pra por a camisinha.
Larguei sua bunda, guardei o pinto, que acabara de amolecer, e saí andando. Ela gritava que só estava querendo nos proteger, mas eu continuei andando, na certeza que ela tinha acabado de assassinar o tesão.
Um macaco gritava, pendurado em uma árvore: “Esses porras deixaram de viver pra proteger a vida.”
Acordei assustado e quase caindo da cama. Parecia que tinha acabado de sair do holocausto.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

DESCONJUNTADO

Numa noite enluarada
A lua não tava lá
O céu estava estrelado
Sem estrelas a brilhar
A dor doía sem dor
O caminhar não andava
O galo cantou silêncio
O barulho emudeceu
Só o silêncio gritava
Pros ouvidos não ouvir
Água parou na cascata
Teimando em não cair
Eu também lá não estava
Embora estivesse ali.

terça-feira, 8 de julho de 2008

SABENDO NÃO SABER

SABENDO NÃO SABER
Cada vez mais, me sinto um ator interpretando e dirigindo um personagem que me impingiram, que não pude escolher, nem ao menos estabelecer o roteiro.
Sempre fui um inconformado, questionando, refletindo e agindo na tentativa de mudar coisas e gente. Os fracassos e frustrações não me desanimavam e continuava dando murros em ponta de faca, mudando de estratégia, insistindo, inconformado.
Acreditava que a ignorância era a grande culpada pelas incoerências e desatinos dos indivíduos. Acusava os exploradores como grandes sonegadores de educação e informação, o que lhes facilitava submeter os ignorantes, facilitando sua exploração.
Considerava que as pessoas eram vítimas de um sistema e que, se tivessem uma oportunidade de acessar conhecimento, poderiam mudar e, ao invés de causar tantos problemas, ajudar a soluciona-los.
Embora os considerasse vítimas, deplorava os vagabundos, alcoólatras, dependentes de drogas, marginais, mentirosos crônicos, fofoqueiros, relapsos, em fim, todos os que, ao invés de contribuir para a harmonia, provocavam problemas, visando benefícios pessoais sem se importar com os prejuízos causados.
Considerava e, isso, continuo considerando, que o egoísmo e a prepotência eram os grandes males da sociedade, verdadeiros cânceres. O egoísmo faz com que o indivíduo só se preocupe consigo mesmo, pretenda tudo pra si, sem a menor preocupação com os outros. Ele não dá a menor importância ao fato de que, um pequeno benefício seu, possa causar grande prejuízo a outros. Ele só se importa com seus benefícios, não dando a menor importância a direitos alheios ou a prejuízos que possa causar.
A prepotência impede o indivíduo de reconhecer o que não sabe, acreditando saber o necessário. Acreditando saber, não considera necessário aprender, o que o condena à ignorância. Acreditando saber o que não sabe, julga por parâmetros errados ou distorcidos, gerando prejuízos e sofrimento, acreditando estar fazendo o melhor. A prepotência provoca que, alguém bem intencionado, cometa verdadeiros absurdos por pura ignorância; acreditando estar fazendo o bem quando está causando terríveis males.
Gastei quase meio século captando dados, analisando, refletindo, criticando, discutindo, mudando, concluindo, reconsiderando conclusões. Foram tantas experiências, observações e reflexões; tantas constatações de falsidade; de erros considerados, por muito tempo, como acertos; de verdades mentirosas; que perdi a segurança pra julgar. Para julgar, é necessário ter parâmetros e os meus se embaralharam, contradizendo-se. Em fim, o certo poderia estar errado; o errado, estar certo; dependendo do enfoque, dos parâmetros usados, Como julgar se algo, tanto poderia estar certo como errado?
Considerando o preceito jurídico em que a dúvida deve favorecer o réu; não posso mais condenar ninguém, nem nada!
Veja-se o caso da doença que me acometeu. Eu não a pedi, nem a escolhi. Devo condenar, maldizer, o que ou quem a provocou? Se não sei o que ou quem a causou, menos ainda sei sobre seus motivos. Sem conhecer o culpado, nem os motivos; que julgamento posso fazer?
Pelos meus parâmetros, acho injusto o ter sido desativado, inutilizado, mesmo antes da doença. Considero que tinha muito para oferecer, capacidade pra fazer várias coisas; no entanto, não faço a menor idéia sobre os porquês de me terem desativado. Os motivos pra isso podem ser muito mais significativos do que o que eu poderia realizar. Como julgar conhecendo só um lado da história?
A lógica me revela que, se a intenção fosse só me desativar, bastaria me matar. Me desativar primeiro, provocar a doença depois e me fazer passar pelo que ela provoca; deve ter algum motivo. O fato de não conhecê-lo não implica em que não exista.
“Bater com um mão e acariciar com a outra” é o que o responsável por isso, fez. Me desativou, provocou a doença degenerativa pra, só depois, permitir a morte. Por outro lado, me livrou de dores, que costumam acometer os pacientes de doenças fatais. Mais ainda, me livrou do inconformismo que sempre me acompanhou e me possibilitou serenidade e tranqüilidade, para aceitar o que tem me afetado. Chego a imaginar que essa serenidade aumente à medida que o fim vá se aproximando, que eu seja dominado por grande moleza e com muito sono, até que não desperte mais.
É pedir demais? Talvez. Mas essa mão que acaricia bem pode propiciar isso.
Que motivos estariam por trás desse processo?
É possível especular inúmeras possibilidades, no entanto, parece impossível ter alguma segurança pra identificar a real.
Nós só conhecemos a parte sensível e racional da vida e, não conseguindo admitir que possamos ser influenciados por algo sobre o que não temos a menor idéia; nos leva a considerar que tudo depende do que conhecemos e nos esforçamos para justificar tudo só com essa parte conhecida, desconsiderando o mistério. Desde o mais ignorante, até o acadêmico mais ilustrado, conhecem evidências do desconhecido. É bastante popular o conhecimento de que a união de um óvulo com um espermatozóide produzem um ser vivo. No entanto, conhecer o que determinou que isso fosse assim, não há cientista que possa explicar.
Portanto, é irracional imaginarmos que sabemos tudo, mesmo reunindo todo o conhecimento humano. Acreditar nisso é confessar demência, no mais alto grau possível.
A experiência me fez compreender que é preciso aprender muito para compreender que não sabemos. Por mais que nos custe, é possível quantificar o que sabemos. Alguém se atreve a quantificar o que não sabemos?
Se desconhecemos tanto, o que nos credencia a julgar com segurança, considerando que, dados importantes, podem estar escondidos?
A vida nos obriga a julgar, constantemente, e não é razoável eximirmo-nos disso. Mas, daí, a acreditar-se o dono da verdade, infalível; é exagerar pra lá da conta!
O julgamento humano é sempre temporal e temporário, sem verdades absolutas. Muito do que foi verdade ontem, é falso hoje; portanto, a probabilidade do que é certo hoje, ser errado amanhã, é enorme.
Essa consciência não deve nos impedir de julgar, mas considerar que o julgamento não é absoluto, muito menos, definitivo.
É.... É preciso aprender muito pra descobrir quão pouco sabemos!