domingo, 27 de abril de 2008

VELHO

VELHO
Porra! Com que rapidez fiquei velho!
Faz pouco tempo, muito pouco, alguns meses; me sentia jovem. Não jovenzinho, mas jovem. Trinta e tantos..mais ou menos, sei lá!
De repente, olho minhas mãos e vejo veias saltadas, rugas acentuadas, algumas manchas escuras. A pele dos braços enrugada, frouxa, sem brilho. Os ombros caídos, o peito também.
Tá sobrando pele! E a barriga! Sempre fora uma tábua e, agora, algo a empurrava pra fora.
As pernas com pouco músculo e muita pele. Cadê o pelos das canelas? Talvez essa tenha sido a maior evidência da velhice.
Careca e cabelos grisalhos muito jovem tem, não é indício de velhice. Canelas carecas, sim! Que coisa feia, canelas lisas, sem pêlos. Lisas nada, marcadas por veias salientes e marcas de machucados antigos.
Corri pro espelho e olhei. Tava sobrando pele, bolsas sob os olhos em que ainda não tinha reparado. Como é que fui ficar velho tão de repente?!
Foi um choque! Sentei na área, no chão e, enquanto o sol caminhava, já chegando perto do horizonte; fiquei cismando. Como é que envelhecera tão rápido? O que tinha acontecido? Fiquei cismando...
De repente, a imagem do Pico do Gavião, em Andradas, onde a gente voava de paraglider, me ocupou o pensamento. Não o pico propriamente dito, mas o espigão da cordilheira. Foi isso mesmo!
A vida é como a cordilheira, a gente nasce e começa a subir em direção ao espigão, que representa a juventude. Dali, começa a descida, em direção à velhice. Vai-se descendo a encosta, acumulando anos a cada trecho, até chegar ao vale, que é a velhice.
Eu, pra variar, não concordei com o caminho pré-estabelecido. Ao invés de ir descendo, continuei caminhando pelo espigão, olhando o longe, como o piloto de vôo livre que busca o lift e, principalmente, as térmicas que o levarão para o alto. O objetivo é voar. Pousar é conseqüência que não se pode evitar, mas que se procura retardar ao máximo.
Meus objetivos me mantinham no alto, caminhando pelo espigão, negando-me a iniciar a descida. Não tinha tempo pra olhar pra mim, o olhar estava ocupado nas conquistas que pretendia.
Foi isso! Eu não olhei pra mim, por isso não percebi o que acontecia. Minha mente ficou no espigão enquanto, como eu teimasse em não descer, os anos subiram e foram se acumulando sem que os percebesse.
Nunca tive nada de excepcional, nem músculos, nem formas, nenhum tipo do que se pode classificar como beleza. Nunca me incomodou muito, não fez falta. Fui admirado e reconhecido por outros motivos e, isso, foi importante. Racionalidade, emoção e sensibilidade foram se fortificando com o decorrer do tempo. Acho que isso me fez acreditar que remoçava quando, na verdade, envelhecia. A não ser a capacidade de lembrar, a mente não se deteriora com a idade, ao contrário, se apura e expande. No entanto, a carcaça deteriora, dificultando que a evolução da mente seja melhor aproveitada.
Por algum motivo, nesta idade, eu teria que estar onde estou e, como não havia tempo para descer a rampa da velhice, despenquei na falésia que não permitia volta.
Talvez eu pensasse que enganaria a natureza ou que morreria no espigão, livrando-me da descida.
Nem uma coisa nem outra! Estou aqui, com pele sobrando, pêlos faltando, músculos murchando, gorduras se acumulando num corpo magro e desajeitado, como sempre foi.
Porra de natureza! Por que tem que ser assim?

quarta-feira, 9 de abril de 2008

ELA

Ah, ah, ah.
Eu não poderia ser acometido por uma doença comum, dessas que, de vez em quando, a gente fica sabendo que matou algum conhecido. Não. Tinha que ser uma doença rara, sem causas conhecidas, sem tratamento regenerativo e sem chances de evitar a progressividade. Uma doença que se encaixa bem nas minhas características, fugindo do convencional.
Pra muitas pessoas, a falta de alternativas é uma tragédia. Eu considero isso uma vantagem, evitando gastar tempo, dinheiro e trabalho na busca de cura. Ela é claramente definida: não tem cura e acabou! Se você tiver alguma coisa pra fazer, faça logo, enquanto for possível.
É comum ao ser humano planejar o futuro. A identificação de uma doença fatal, informa que não haverá futuro mais distante e que é hora de realizar, o mais rápido possível, o que estava planejado para um prazo maior. Quando o tempo é aproveitado com eficiência, é possível realizar muito mais do que em condições normais, em que o tempo costuma ser desperdiçado.
Na maioria dos casos, o tempo que resta de vida, é gasto na busca de tratamentos ou rituais que possam promover a cura. No caso da ELA esse problema não tem sentido, uma vez que não há tratamento possível. Portanto, a lógica recomenda usar o tempo para realizações que estavam à espera do futuro.
Eu não tenho esse problema. Sempre fiz projetos, mas me acostumei a não conseguir realizá-los. Sempre busquei realizar o que me foi possível e aproveitar as oportunidades de prazer que se me ofereceram. Acho que se não consegui tudo que quis (nem seria possível, tamanha a quantidade de quereres), aproveitei bem o que me foi possível e considero ter sido um privilegiado ter conseguido tanto; muito mais que a maioria dos mortais. O que vivi nesses quase sessenta anos, muitas pessoas não viveriam nem em duzentos. Portanto não tenho o menor direito de me queixar.
Os prazeres que vivi estão muito além de divertimentos e festividades. Eles envolveram grandes emoções, realizações, vencimento de desafios, conquista de admiração e reconhecimento. Tenho uma galeria de troféus composta de erros que cometi e que muito me ensinaram. Vivi experiências em vários níveis culturais, sociais e econômicos. Amei e fui amado, o que representou as emoções mais gratificantes e prazerosas. Não bastasse tudo isso, ainda mereci a classificação de diferente, aventureiro, louco e outros adjetivos que considero enaltecedores. Ta com inveja? Se quiser, ainda é tempo de mudar. Eu, até gostaria de ter mais, mas estou satisfeito e não me queixo.
Descobri que o que se conhece da vida é a ponta de um iceberg, a maior parte está envolta em mistério inescrutável. Pude perceber minha pequenez e, isso, me livrou de muitas culpas que senti. Pude me sentir como instrumento e perceber que não era tão capaz quanto imaginara, nem tão incapaz como pensara.
Os sintomas da doença, somados ao que tenho passado nos últimos tempos, me indicavam a possibilidade de que caminhava, aceleradamente, para o fim. O diagnóstico confirmou isso e causou um certo impacto. De certa maneira, foi a confirmação do que eu já havia imaginado, mas confirmação é sempre confirmação. Não me abalou, não senti tristeza nem revolta. Continuei tranqüilo, mas tive que lidar com uma espécie de rearranjo das idéias, em fim, agora, já não era uma intuição, adivinhação ou sentimento; era uma constatação. O que era uma possibilidade, agora, era realidade palpável.
Fiz uma busca interna a procura de alguma vontade que esperasse satisfação. Não encontrei. Não tenho nenhuma vontade que mereça satisfação. Mais ainda, não encontrei vontades.
Eu já vinha vegetando, mesmo com capacidade para realizar coisas. Não porque eu quisesse, mas por falta de condições. Se pude vegetar inutilmente, enquanto tinha condições de trabalhar e realizar; não deverá ser difícil vegetar, tendo como justificativa a incapacidade física.
Se eu vinha vegetando no que se refere a ações externas, o mesmo nunca aconteceu em meu interior. Nunca deixei de refletir, analisar, aventar hipóteses, desenvolver teses e chegar a conclusões. Tenho registrado tudo isso e está disponível a quem possa interessar. Portanto, se isso fosse utilizado, já seria realização mais que suficiente, Por isso não sinto falta de criar mais nada. Acho que já tenho muita coisa criada, sem aproveitamento.
O que tenho sofrido nos últimos tempos e o que, ainda, me resta sofrer; com certeza não causará inveja a ninguém. No entanto, o que desfrutei durante a vida, despertará muita cobiça em muita gente. No balanço de prós e contras, acho que saí no lucro. Isso me conforta e deve confortar a quem gosta de mim.
Ei! Não morri ainda. Espero, ainda, poder escrever mais bobagens neste espaço.
Eu gostaria que esta reflexão inspirasse pessoas a aproveitar as oportunidades boas que a vida oferece, evitando ter que se queixar de não tê-lo feito, se um dia chegar à situação em que me encontro.
Até!