segunda-feira, 13 de outubro de 2008

VOLTANDO PRO COMEÇO

VOLTANDO PRO COMEÇO!
Penso que comecei esse caminho de volta aos quarenta e nove anos. O desfrute de um grande amor me tornou jovem. A perda dele me jogou na adolescência e me deixou perdido, procurando um rumo. Continuei retrocedendo com a diminuição das oportunidades de trabalho, que acabou me trazendo de volta à infância. A força foi diminuindo progressivamente, os movimentos se tornando difíceis e perdendo o controle. A fala vai se tornando fraca e menos inteligível. Já não consigo tomar banho e me vestir sozinho. Já tenho dificuldade pra manusear coisas simples como um barbeador, escova de dentes, copos e coisas assim. Chegará o momento em que não conseguirei mais andar, me alimentar sozinho, me virar na cama... até que não consiga mais respirar. Pra completar o processo, ao invés de túmulo ou crematório, duas pernas deveriam se abrir, uma vagina dilatada me sugaria para dentro de um útero, onde eu iria diminuindo de tamanho até me transformar num óvulo, que acabaria sendo expelido por um fluxo menstrual.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Ajude-se

“Nenhum problema é maior que o meu. Nenhuma dor é maior que a minha. Ninguém tem mais razão que eu.”
Que importa que a Terra seja um pontinho azul, insignificante, quando comparada ao tamanho de outros planetas?
Que importa que tanta gente passe fome, que muitos sejam mutilados ou mortos por guerras, revoluções e atentados?
Que importa que tantas pessoas sofram de doenças graves, sejam vitimadas por vulcões, maremotos, terremotos, furacões, tsunames e outros fenômenos considerados naturais?
Que importa que tanta gente perca a pessoa amada, parentes queridos ou amigos inesquecíveis?
Por que eu deveria me importar com isso?
Quando sinto dores ou passo mal, enfrento filas, espero muito tempo até que alguém, normalmente de má vontade, se empenhe mais pra se livrar de mim do que pra resolver meu problema; mais preocupado com seu emprego do que com minha saúde.
Quando sinto fome, se não der um jeito de conseguir comida, ninguém se preocupará com o meu estômago, nem com a falta de nutrientes necessários à minha sobrevivência.
Se eu estiver no local de uma guerra, revolução ou atentado, alguém se preocupará em me tirar de lá ou evitar que elas aconteçam?
Alguém está preocupado em me livrar de furacões, terremotos ou qualquer outro agrado da natureza?
Quem se importa quando perco um amor, parentes ou amigos?
Esse papo de que precisamos usar a desgraça alheia pra nos conformarmos com a nossa é de uma estupidez maior que todas as desgraças juntas.
A humildade e a solidariedade não são tão importantes pra salvar o mundo, quanto são pra nossa felicidade ou, diminuição do sofrimento.
Não precisamos olhar pro infinito do universo, nem para as tragédias longínquas. Podemos fazer tanto pelos que estão a nossa volta e, principalmente, por nós mesmos, nos ocupando tanto, que não sobraria tempo pra mais nada.
A humildade nos permite perceber que não somos super, que somos falíveis, vulneráveis, mesmo que aproveitemos ao máximo a capacidade que o conhecimento pode nos disponibilizar.
A solidariedade nos propicia prazer e felicidade, portanto, o grande beneficiário não é o receptor e, sim, quem a pratica.
Não desfrutaremos toda a felicidade e prazer possível no amor, se não propiciarmos felicidade e prazer a quem amamos.
O sorriso que provocamos nos outros, pode nos propiciar mais felicidade que o nosso próprio.
Quem prefere ser ajudado, do que ajudar, desconhece a real felicidade.
Não temos como resolver os problemas da humanidade, mas podemos minimizar os nossos, conseguindo felicidade e prazer, proporcionais à solidariedade que praticarmos.
Portanto, agradeça a quem te propicie ser solidário e não negue a possibilidade de alguém ser feliz, sendo solidário com você.
Não sei quem disse isso, mas concordo totalmente: “Quem não vive pra servir, não serve pra viver”. O resto é resto!

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Que sorte

QUE SORTE!
Que sorte teve Niemayer em conhecer Juscelino. Ele lhe propiciou projetar a Pampulha e depois Brasília e depois...Bom, depois Niemayer só não projetou o que não quis. Que sorte ele teve em receber tamanho talento! Que sorte o talento ter tido a oportunidade!
Que sorte teve Che Guevara em encontrar os cubanos no México, que lhe possibilitou participar da revolução cubana, contribuir fortemente para seu sucesso, tornar-se herói e transformar sua maluca obsessão numa bandeira contra o imperialismo e a exploração do homem pelo homem. Que sorte viver menos de quarenta anos na Terra e passar para a história como um mito, por sei lá até quando.
Terá sido um preço muito alto os sacrifícios e sofrimentos vividos por Van Gogh, Marx, Martin Luther King, Madre Tereza de Caucutá; entre outros, para passar à história e viver nela tanto tempo? De onde saíram as características pessoais que lhes possibilitaram ser o que foram? Quem, ou o que, possibilita a genialidade aos gênios? Talento, oportunidade e tempo é algo que o ser humano não tem capacidade de criar. Tudo o que ele pode fazer é aproveitá-los bem... Só isso.
Ainda que não exista nada depois da morte, vale a pena considerar que nossos feitos na vida podem entrar para a história. Como você gostaria que a história visse sua história? Pense nisso!
Pepe Granja.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

POBRE RIQUEZA

POBRE RIQUEZA
O cara reclamava da dificuldade pra se ganhar dinheiro e a facilidade com que, o conseguido, desaparecia.
Ele é da classe média, mora num apartamento bem montado e confortável, tem carro novo e não consta que não consiga pagar suas contas em dia.
Pensei na quantidade de vezes em que ouvi esse tipo de reclamação, feita pelos mais variados tipos de pessoas; desde muito pobres, até milionários.
Recordei o que venho constatando há anos: o problema não está na quantidade de dinheiro ganho e, sim, no desejo de consumir muito além do possível. Por mais dinheiro que a pessoa ganhe, será sempre insuficiente se a expectativa de consumo estiver além do possível.
Lembrei de um final de tarde de um sábado, quando dava carona a um amigo, cujo pai fora fazendeiro e fabricante de cordas de sisal na Paraíba. Ele me pediu pra passar em uma favela onde moravam conterrâneos seus, amigos de infância, cujas famílias sempre trabalharam para seu pai.
Esse pessoal ocupava uns cinco ou seis barracos na beira de um córrego e eram todos parentes. Todos trabalhavam na construção civil.
Parei o carro na entrada da viela que dava acesso aos barracos e, logo ao descer do carro, meu amigo foi avistado por um dos conhecidos, que parecia ter ganho o melhor presente do mundo, tal a alegria com que correu pra abraça-lo. Abraçava-o dando pulinhos, apertando-o, soltando e voltando a apertá-lo. Mais parecia uma criança que acabara de receber um presente muito sonhado e que não tinha mais esperança de ganhar.
O Paraíba afastou-o um pouco pra me apresentar e ele me cumprimentou, demonstrando que amigos de pessoa tão querida, mereciam toda consideração e deixou isso claro no aperto de mão e no balançar do braço.
Mandou um menino, que se aproximara, chamar alguém numa vendinha próxima. Gritou uns nomes na direção dos barracos, de onde começaram a sair pessoas que, como ele, corriam pra abraçar o Paraíba.
Fomos quase carregados pra um dos barracos onde mulheres e crianças nos cumprimentavam esbanjando respeito e carinho.
Alguém disse que era necessário comprar cervejas e uma mulher gritou que era preciso providenciar alguma coisa pra comer. Outra, sugeriu que lingüiça era mais fácil e rápido de preparar. Três homens logo saíram pra providenciar o que consideravam indispensável. Outro, chegou empunhando um litro de pinga, pedindo pra dona da casa providenciar copos, o que foi feito de imediato e, num instante, batíamos copos brindando aquele encontro.
Os três, que haviam saído pra providenciar a cerveja e a lingüiça, logo estavam de volta, acompanhados do homem que o primeiro mandara o menino chamar.
Enquanto a lingüiça fritava numa frigideira grande, a cerveja enchia uns copos, a pinga, outros, enquanto as pessoas iam se ajeitando em cadeiras, bancos, sentando no chão ou se encostando nas paredes. A alegria e as demonstrações de carinho não davam sinais de arrefecer.
Quando a agitação deu lugar à conversa, comecei a perceber o tipo de ligação que unia aquelas pessoas, gerando tamanha emoção.
Todos tinham nascido, vivido e trabalhado nas terras do pai do Paraíba, a quem consideravam poderoso e justo. Alguns deles tinham idades próximas a do Paraíba e tinham sido seus companheiros de brincadeiras de criança.
O pai do Paraíba tinha falido, vindo a morrer algum tempo depois, num acidente em que seu carro fora destroçado por um trem em uma passagem de nível. Havia a desconfiança de que fora suicídio. O fato é que a falência do velho provocara a demandada do pessoal que vivia nas suas terras e, boa parte deles, tinha vindo pra São Paulo e morava naquela favela.
Percebi que eles tratavam o Paraíba como se ele ainda fosse o herdeiro de um império, com verdadeiro carinho, mas com o respeito tradicional dos pobres pela oligarquia. Ainda o tratavam como o filho mais novo e mimado do patrão.
Notei que o Paraíba assumia seu papel naquela fantasia e se sentia o patrão poderoso que permite alguma intimidade a seus empregados. Era como uma festa em que os súditos se rejubilam em compartilhar da intimidade do rei. O Paraíba, que já era bastante grande, parecia ter dobrado de tamanho em meio àqueles adoradores, assumindo a grandeza de seu papel e gozando os prazeres de tanta dedicação.
Era estranho ver aquilo, sabendo que o Paraíba vivia numa merda de dar dó. Trabalhava como auxiliar em um escritório, onde mal ganhava pra sobreviver e só desfrutava de algum consumismo porque a namorada, que tinha um bom salário, lhe propiciava. Mesmo assim, ele teimava em fingir que ocupava o pedestal que há muito deixara de existir. Ali, naquele ambiente, ele podia dar vazão à sua fantasia, recebendo a devoção que acreditava merecer.
Poucas vezes, na vida, pude testemunhar tanta felicidade e alegria. Tudo acontecia entre goles de cerveja, talagadas de pinga e nacos de lingüiça frita apanhados com os dedos, que eram chupados pra tirar-lhes a gordura. O cenário era composto por telhado de telhas de cimento amianto, paredes de tijolo, caiadas, sem revestimento, e piso cimentado. Os trajes eram: bermudas, calções, chinelos e camisetas. Tudo isso tinha muito pouca importância quando comparado com a felicidade que dominava o ambiente.
Isso aconteceu há uns vinte anos e nunca mais vi aquelas pessoas. Algum tempo depois, o Paraíba também sumiu e não tive mais notícias dele; no entanto, aquele episódio continua fresco em minha memória, como uma das coisas mais importantes de que participei.
Lembro que, quando a cerveja e a lingüiça chegavam ao fim, eles decidiram ir buscar mais. Fizeram uma vaquinha entre eles, pra pagar o que já havíamos consumido e o que iriam buscar, e recusaram veementemente que o Paraíba e eu contribuíssemos. Lembro que, pelo rateio, o valor correspondente a cada um era menor do que o preço de um almoço comercial. Se o valor não era tão insignificante pra eles, era infinitamente barato quando comparado à felicidade propiciada.
Olhei pro passado em busca de coisas caras que tivessem me proporcionado felicidade. Encontrei o momento em que terminei de pagar a casa que comprara, quando da compra dos carros que adquiri; de quando comprei uma filmadora... é, essas coisas me custaram um bom dinheiro, em relação ao que ganhava.
Se não encontrei muitas coisas que me custaram bastante dinheiro, sobraram lembranças de momentos felizes que, ou custaram muito pouco, ou dinheiro nenhum. Churrascos em casa, na de amigos, sítios e chácaras; bate papos em balcões ou mesas de bar, com amigos; salgadinhos velhos, frios e ressecados, depois de longo período sem nada pra comer.
Nenhum peixe que eu tenha comido em restaurantes de luxo foi tão saboroso quanto as postas fritas em uma frigideira encardida, sobre fogo de lenha, na barranca do rio Grande, onde o peixe acabara de ser pescado e onde eu esperava a balsa pra atravessá-lo. Aquele peixe cortado a facão, lavado nas águas do rio e frito sem a menor preocupação com higiene, foi mais saboroso que o manjar dos deuses. Quando a balsa chegou, o ribeirinho que preparara o peixe, colocou o resto em uma travessa velha, embarcou na balsa e fomos comendo até o outro lado do rio, bebericando pinga em uma caneca feita de uma lata de óleo.
De outra feita, viajando pelo pantanal, por uma estrada de terra, sob um sol escaldante, depois de muitas horas, cheguei ao rio Paraguai, onde precisaria esperar a balsa. Numa barraca à margem da estrada, na beira do rio; postas fritas de pacu, com a carne dourada coberta pela pele pururucada, enchiam a boca de água. Não bastasse aquela visão maravilhosa, o barraqueiro anunciou que tinha cerveja bem gelada, graças a um gerador que permitia o funcionamento de um freezer. Lavar a boca e a garganta com aquela cerveja gelada e degustar aquele peixe fresco, recém saído da frigideira, foi um prazer indescritível.
O prazer de ser solidário, de desfrutar o carinho dos amigos, de lutar por ideais; dispensam pagamento em dinheiro e propiciam muita felicidade. E o amor? Ser amado pela pessoa amada e desfrutar esse amor é impagável!
Alegar que o dinheiro é um mal, que só causa problemas e gera infelicidade é uma burrice imensa. Ele, simplesmente, não passa de um meio para recebermos o que nos é devido e pagarmos o que adquirimos, desvinculando uma coisa da outra. O problema está em considerá-lo capaz de comprar tudo, principalmente, felicidade.
O problema não é o dinheiro e, sim, o consumismo. Este, não só é incapaz de propiciar felicidade, como a dificulta e, até, impede. Aparentar riqueza atrai ladrões e seqüestradores, que causam medo, que impede a liberdade de ir e vir. O dinheiro nos faz desconfiar que o carinho recebido se deva a ele e não a nós. Além disso, o medo ocupa nossa mente, roubando lugar às emoções agradáveis.
O consumismo leva a equipar a casa para propiciar segurança, conforto e, até, luxo. O medo de sair, associado ao conforto caseiro, levam as pessoas a trocar a emoção propiciada pela convivência, pela emoção virtual, eletrônica, contentando-se com imagens e sons, desprezando o calor do contato humano.
A limusine para na frente da igreja tradicional, decorada com sofisticação exclusiva, onde o noivo, suando impaciente, sofre com o pensamento de que algum problema possa impedir a noiva de chegar.
A noiva, que passou horas sendo maquiada, penteada e vestida, teme não estar tão bonita quanto gostaria, que seu visual possa receber críticas ao invés de elogios, que alguma coisa possa sair errada, em fim, são tantas preocupações, que a emoção de estar realizando o sonho de se unir ao homem amado, de concretizar a fantasia de uma cerimônia memorável, fica muito aquém da possível e, não raro, desaparece.
A marcha para o altar é tensa, a incerteza sobre o tamanho e velocidade dos passos, se o buquê deve ficar mais pra esquerda, direita, pra baixo ou pra cima. Não consegue ver os olhares de admiração porque procura expressões de crítica.
Na festa é difícil encontrar sinceridade nos cumprimentos de pessoas preocupadas em não cometer gafes. Os trajes dificultam a liberdade de movimentos, o barulho dificulta conversas e a maioria sai de lá sentindo alívio.
A única coisa indiscutivelmente grandiosa naquela cerimônia foi o preço. Igreja, decoração, músicos, limusine, roupas, salão, bufet, cabeleireiro, maquiador, etc. O custo daquela cerimônia seria suficiente pra pagar muitos meses, talvez anos, de despesas do casal.
Num outro casamento, realizado na igreja do bairro, pouca gente prestou atenção no vestido da noiva, na maquiagem ou no penteado. O que saltou aos olhos de todos, foi o brilho no seu olhar, a emoção que transbordava de todo seu ser, o olhar carinhoso que dirigia aos presentes agradecendo sua presença para testemunhar a realização do maior sonho de sua vida. A emoção do noivo ao recebê-la no pé do altar e, a dos dois, durante a cerimônia que oficializava o maior desejo de suas vidas, provocou os cumprimentos mais efusivos, os mais sinceros desejos de que aquela felicidade se prolongasse por toda a vida, extrapolando as palavras, expressos por lágrimas, beijos calorosos e abraços apertados.
A festa, no salão comunitário do bairro, testemunhou a alegria e felicidade propiciadas pela emoção, dispensando luxos e confortos que, na maioria das vezes, só servem para delapidar-lhe o valor.
Churrasquinho de carne, lingüiça e asinhas de frango, arroz, farofa, salada, maionese com batatas, ovos e legumes cozidos; tudo isso regado a cerveja e refrigerantes. Dança ao som de música que não impedia as conversas e, principalmente, a emoção propiciada pela felicidade dos noivos, pela troca de carinho entre amigos e pelo desejo despertado nos namorados de se tornarem protagonistas de uma cerimônia como aquela.
O muito dinheiro gasto na primeira cerimônia, não garantiu a felicidade, assim como, o pouco gasto na segunda, não a impediu.
Felicidade é alegria, resultante de satisfação de desejos. O dinheiro pode facilitá-la, no entanto, nunca poderá ser fonte geradora e, sua falta, não conseguirá impedi-la de acontecer.
A tentativa de conseguir riqueza não deve impedir o desfrute da felicidade possível, que exige pouco, ou nenhum dinheiro.

terça-feira, 29 de julho de 2008

ME ACORDA!

ME ACORDA!
Cara! Há muito não tinha um pesadelo tão horrível e assustador.
Fui me encontrar com amigos que há muito não via e que resolveram promover uma reunião pra relembrar os bons tempos, no sítio de um deles.
Ao chegar, fui cumprimentar os que já haviam chegado, extravasando a saudade há muito reprimida. Era uma felicidade muito grande abraçar e beijar amigos que não via há muito tempo.
Logo estranhei o fato de ninguém, ainda, ter me oferecido um copo com caipirinha ou uma latinha de cerveja. Notei que ninguém estava bebendo.
Gritei que estava com sede e, de imediato, uma das amigas se apressou a me trazer um copo cheio.
Chá! Chááááááááááááá! Era chá!
O que tinha acontecido com aquele povo?
Costumávamos nos reunir algumas vezes por ano, começando no final do dia da sexta-feira, pra só ir embora no final do domingo. Pinga, caipirinha, batidas, wisk, conhaque e muita cerveja. Churrasco com muita gordura, torresmo, patês e muito cigarro. Conversa fiada, gozações, cantoria, dança, bebedeira e ressaca curada com mais bebida. Duas ou três horas de sono entre um dia e outro, eram mais que suficientes pra recomeçar.
Agora, estavam tomando chá!
“É claro! Como sou burro!” Os safados tinham me aprontado aquela. EraM suficientemente safados pra isso. Tinham armado aquele circo pra me fazer de besta. Tinham escondido as bebidas e comidas, só pra tirar um sarro com minha cara.
Ao invés de reclamar, fiz de conta que estava tudo bem. Saí andando naturalmente e fui até a casa, onde as coisas estariam escondidas. Bestas eram eles, imaginando que me fariam de idiota, pra me gozar até o fim da festa.
Cheguei ao galpão, ao lado da piscina, onde a churrasqueira estava apagada. Sobre a grande mesa de madeira, pratos e travessas cheias de saladas, legumes, frutas, jarras com sucos e chás gelados.
Abri a geladeira que estava cheia de frutas, sucos e mais jarras de chás.
Eles eram suficientemente filhos da puta pra armar aquele circo todo. Ter se dado a todo aquele trabalho só pra tirar sarro dos que chegassem depois. Já tínhamos feito encenações bem mais trabalhosas, só pra gozar com a cara de alguém, o que motivava muitas gozações durante todo o fim de semana.
Examinei os banheiros do galpão e, nada. Fui até a casa, examinei a cozinha, onde a mulher do caseiro, que cozinhava legumes, me ofereceu suco ou chá, além de milho cozido. Agradeci e dispensei, indo até a sala, onde não encontrei nenhum isopor onde pudessem ter escondido as cervejas. O freezer na dispensa estava cheio de polpa de frutas.
Desde que recebera o convite, passara os dias imaginando minha chegada ali, o pessoal correndo pra me abraçar, gritando abobrinhas, me passando a mão na bunda, me oferecendo um copo com caipirinha, uma latinha de cerveja e um pedaço de carne gorda. Aquela confusão de vozes querendo saber das novidades e contando o que tinha acontecido. Em fim, a zueira de costume.
Chá, sucos, verduras, legumes; que porra era aquela? Cadê a bebida, o churrasco, a porra-louquice, a descontração?
Voltei pra junto do pessoal, que conversava educadamente, sem levantar a voz, sem falar palavrões, com as roupas alinhadas e combinando, com os cabelos penteados, sem cheiro de suor ou chulé.
Um deles, o mais gozador da turma, se aproximou de mim e disse:
- Por que você não larga essa porcaria?
- A tua mulher? Não largo de jeito nenhum!
Ele deu um sorrizinho, me acariciou um braço e disse delicadamente: -Estou falando do cigarro. Essa porcaria vai acabar te matando.
Mandei ele ir tomar no cu, dei-lhe um tapa na nuca e fui me juntar aos outros.
Aquilo mais parecia uma reunião de executivos de uma multi-nacional. Defendiam a lei seca, condenando com veemência o que cansamos de fazer durante anos: dirigir depois de beber. Éramos muitos e, nenhum, nunca se envolveu em qualquer acidente por causa de bebida.
Na conversa sobravam críticas à gordura, carne vermelha, pimenta, condimentos e outras gostosuras. Eram causa de colesterol, doenças cardíacas, câncer, entre um monte de outras doenças que descreviam com detalhes. No entanto, o maior vilão era o cigarro, que condenavam com veemência. Só faltaram acusarem-no de causador de terremotos, maremotos e outros acidentes naturais.
Eu sentia um desassossego enorme olhando praquele monte de velhos amigos, totalmente desconhecidos. Pra onde foram os primeiros? De onde vieram os outros?
Senti a cabeça confusa, girando e virando cambalhotas. Me afastei pra fumar um cigarro e tentar entender o que estava acontecendo.
Estava a beira do lago, junto a uma moita de bambus, fumando, quando senti que alguém se aproximava. Era uma mulher muito bonita, que eu não conhecia.
Não sei como, mas o fato é que nos abraçávamos, beijávamos e as mãos percorriam nossos corpos, apalpando cada poro, sentindo cada umidade, gerando enorme calor. Quando eu sentia a firmeza e abundância de sua bunda em minhas mãos, ela afastou sua boca da minha e me pediu pra por a camisinha.
Larguei sua bunda, guardei o pinto, que acabara de amolecer, e saí andando. Ela gritava que só estava querendo nos proteger, mas eu continuei andando, na certeza que ela tinha acabado de assassinar o tesão.
Um macaco gritava, pendurado em uma árvore: “Esses porras deixaram de viver pra proteger a vida.”
Acordei assustado e quase caindo da cama. Parecia que tinha acabado de sair do holocausto.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

DESCONJUNTADO

Numa noite enluarada
A lua não tava lá
O céu estava estrelado
Sem estrelas a brilhar
A dor doía sem dor
O caminhar não andava
O galo cantou silêncio
O barulho emudeceu
Só o silêncio gritava
Pros ouvidos não ouvir
Água parou na cascata
Teimando em não cair
Eu também lá não estava
Embora estivesse ali.

terça-feira, 8 de julho de 2008

SABENDO NÃO SABER

SABENDO NÃO SABER
Cada vez mais, me sinto um ator interpretando e dirigindo um personagem que me impingiram, que não pude escolher, nem ao menos estabelecer o roteiro.
Sempre fui um inconformado, questionando, refletindo e agindo na tentativa de mudar coisas e gente. Os fracassos e frustrações não me desanimavam e continuava dando murros em ponta de faca, mudando de estratégia, insistindo, inconformado.
Acreditava que a ignorância era a grande culpada pelas incoerências e desatinos dos indivíduos. Acusava os exploradores como grandes sonegadores de educação e informação, o que lhes facilitava submeter os ignorantes, facilitando sua exploração.
Considerava que as pessoas eram vítimas de um sistema e que, se tivessem uma oportunidade de acessar conhecimento, poderiam mudar e, ao invés de causar tantos problemas, ajudar a soluciona-los.
Embora os considerasse vítimas, deplorava os vagabundos, alcoólatras, dependentes de drogas, marginais, mentirosos crônicos, fofoqueiros, relapsos, em fim, todos os que, ao invés de contribuir para a harmonia, provocavam problemas, visando benefícios pessoais sem se importar com os prejuízos causados.
Considerava e, isso, continuo considerando, que o egoísmo e a prepotência eram os grandes males da sociedade, verdadeiros cânceres. O egoísmo faz com que o indivíduo só se preocupe consigo mesmo, pretenda tudo pra si, sem a menor preocupação com os outros. Ele não dá a menor importância ao fato de que, um pequeno benefício seu, possa causar grande prejuízo a outros. Ele só se importa com seus benefícios, não dando a menor importância a direitos alheios ou a prejuízos que possa causar.
A prepotência impede o indivíduo de reconhecer o que não sabe, acreditando saber o necessário. Acreditando saber, não considera necessário aprender, o que o condena à ignorância. Acreditando saber o que não sabe, julga por parâmetros errados ou distorcidos, gerando prejuízos e sofrimento, acreditando estar fazendo o melhor. A prepotência provoca que, alguém bem intencionado, cometa verdadeiros absurdos por pura ignorância; acreditando estar fazendo o bem quando está causando terríveis males.
Gastei quase meio século captando dados, analisando, refletindo, criticando, discutindo, mudando, concluindo, reconsiderando conclusões. Foram tantas experiências, observações e reflexões; tantas constatações de falsidade; de erros considerados, por muito tempo, como acertos; de verdades mentirosas; que perdi a segurança pra julgar. Para julgar, é necessário ter parâmetros e os meus se embaralharam, contradizendo-se. Em fim, o certo poderia estar errado; o errado, estar certo; dependendo do enfoque, dos parâmetros usados, Como julgar se algo, tanto poderia estar certo como errado?
Considerando o preceito jurídico em que a dúvida deve favorecer o réu; não posso mais condenar ninguém, nem nada!
Veja-se o caso da doença que me acometeu. Eu não a pedi, nem a escolhi. Devo condenar, maldizer, o que ou quem a provocou? Se não sei o que ou quem a causou, menos ainda sei sobre seus motivos. Sem conhecer o culpado, nem os motivos; que julgamento posso fazer?
Pelos meus parâmetros, acho injusto o ter sido desativado, inutilizado, mesmo antes da doença. Considero que tinha muito para oferecer, capacidade pra fazer várias coisas; no entanto, não faço a menor idéia sobre os porquês de me terem desativado. Os motivos pra isso podem ser muito mais significativos do que o que eu poderia realizar. Como julgar conhecendo só um lado da história?
A lógica me revela que, se a intenção fosse só me desativar, bastaria me matar. Me desativar primeiro, provocar a doença depois e me fazer passar pelo que ela provoca; deve ter algum motivo. O fato de não conhecê-lo não implica em que não exista.
“Bater com um mão e acariciar com a outra” é o que o responsável por isso, fez. Me desativou, provocou a doença degenerativa pra, só depois, permitir a morte. Por outro lado, me livrou de dores, que costumam acometer os pacientes de doenças fatais. Mais ainda, me livrou do inconformismo que sempre me acompanhou e me possibilitou serenidade e tranqüilidade, para aceitar o que tem me afetado. Chego a imaginar que essa serenidade aumente à medida que o fim vá se aproximando, que eu seja dominado por grande moleza e com muito sono, até que não desperte mais.
É pedir demais? Talvez. Mas essa mão que acaricia bem pode propiciar isso.
Que motivos estariam por trás desse processo?
É possível especular inúmeras possibilidades, no entanto, parece impossível ter alguma segurança pra identificar a real.
Nós só conhecemos a parte sensível e racional da vida e, não conseguindo admitir que possamos ser influenciados por algo sobre o que não temos a menor idéia; nos leva a considerar que tudo depende do que conhecemos e nos esforçamos para justificar tudo só com essa parte conhecida, desconsiderando o mistério. Desde o mais ignorante, até o acadêmico mais ilustrado, conhecem evidências do desconhecido. É bastante popular o conhecimento de que a união de um óvulo com um espermatozóide produzem um ser vivo. No entanto, conhecer o que determinou que isso fosse assim, não há cientista que possa explicar.
Portanto, é irracional imaginarmos que sabemos tudo, mesmo reunindo todo o conhecimento humano. Acreditar nisso é confessar demência, no mais alto grau possível.
A experiência me fez compreender que é preciso aprender muito para compreender que não sabemos. Por mais que nos custe, é possível quantificar o que sabemos. Alguém se atreve a quantificar o que não sabemos?
Se desconhecemos tanto, o que nos credencia a julgar com segurança, considerando que, dados importantes, podem estar escondidos?
A vida nos obriga a julgar, constantemente, e não é razoável eximirmo-nos disso. Mas, daí, a acreditar-se o dono da verdade, infalível; é exagerar pra lá da conta!
O julgamento humano é sempre temporal e temporário, sem verdades absolutas. Muito do que foi verdade ontem, é falso hoje; portanto, a probabilidade do que é certo hoje, ser errado amanhã, é enorme.
Essa consciência não deve nos impedir de julgar, mas considerar que o julgamento não é absoluto, muito menos, definitivo.
É.... É preciso aprender muito pra descobrir quão pouco sabemos!